A pergunta de um milhão

Luís Carapinha

A política de confrontação move o mundo para o abismo

A cimeira da NATO em Vilnius reafirmou as posições do bloco militar imperialista em relação à Rússia. Na declaração final pode ler-se: «A Federação Russa é a ameaça mais significativa e directa à segurança dos Aliados (...)». Contudo, enquanto a escalada de guerra prossegue sem fim à vista na Ucrânia, as preocupações dos EUA estão cada vez mais viradas para a China. E, em Vilnius, munida da peregrina abordagem de 360 graus, introduzida o ano passado na cimeira de Madrid, a NATO deu mais um passo na ampliação da acção hostil visando a China e as suas fronteiras. O texto final afirma que «as ambições de estado e políticas coercivas da República Popular da China desafiam os nossos interesses, segurança e valores. A China emprega uma ampla gama de instrumentos políticos, económicos e militares para aumentar a sua presença global e projecto de poder, permanecendo opaca sobre a sua estratégia, intenções e reforço militar». Mais à frente: «a RPC procura controlar os principais sectores tecnológicos e industriais, a infra-estrutura crítica e materiais estratégicos e cadeias de abastecimento. Usa a influência económica para criar dependências estratégicas (…) tenta subverter a ordem internacional baseada em regras (...)».

A linguagem é clara e replica a ansiedade estratégica, inscrita em sede de doutrina dos EUA, do imperialismo norte-americano perante a China, encarada como a grande ameaça existencial à sua hegemonia decadente. A actual guerra na Europa, em grande medida provocada e promovida pelos EUA, a NATO e a UE, está subordinada a esta preocupação.

Pelo segundo ano consecutivo o conclave contou com a participação dos chefes de governo do Japão, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia, mostrando para onde se desloca o foco da NATO. É certo que, em Vilnius, nem tudo correu à velocidade desejada em Washington e outras capitais. A proposta aventada há uns meses pelo secretário-geral da NATO de abrir um escritório de ligação em Tóquio não coube na declaração. A imprensa japonesa adiantou que a França se opôs abertamente. Como é sabido, há divisões e vários países da UE estão renitentes em acompanhar a passada anti-China dos EUA, apesar dos esforços diligentes de von der Leyen e Borrell. Na essência, pelas mesmas razões que levam sectores do mundo dos negócios dos próprios EUA a torcer o nariz ao reforço das sanções contra a China quando estas mexem com os seus lucros, como ainda agora foi a caso das resistências manifestadas pelas maiores empresas da indústria de semicondutores.

Seja como for, o Japão está brutalmente a duplicar o seu orçamento militar e de Vilnius sai reforçada a política belicista e de confrontação que está a mover o mundo para o abismo. Registe-se o carrossel de visitas à China de altos dirigentes dos EUA nas últimas semanas, passando pela ida privada de Kissinger, sem que os EUA, no entanto, dêem sinais relevantes de atenuar a pressão. O primeiro-ministro de direita húngaro, Orban, constata: «vivemos agora os momentos mais perigosos da política mundial, quando a primeira potência mundial vê que está a cair para o segundo lugar... Caminhamos diariamente para um choque. A pergunta de um milhão de dólares é se é possível evitar uma colisão».

 



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