Literacias
Helena Garrido (HG) é uma jornalista da nossa praça que se cruza quase todas as manhãs, na rubrica «Contas do Dia», com os ouvintes da Antena 1. Já perdi a conta ao número de vezes que vociferei ao volante, com as enormidades que aí são ditas, sobretudo as que procuram legitimar os privilégios do capital e a exploração a que é sujeita a larga maioria dos seus ouvintes. O tom aparentemente pedagógico, quase professoral, dos seus programas apenas serve para caucionar o neoliberalismo como doutrina oficial da jornalista, seguramente, e da rádio pública também.
Na última terça-feira, perante os impactos do aumento das taxas de juro nos empréstimos à habitação, HG atirou-se contra a falta de «literacia financeira» dos portugueses. Explicou a sua estupefacção quando um «aluno da noite» – palavras suas – compreendia que, com os aumentos decretados pelo BCE e que influenciam a Euribor, a sua prestação da casa, sujeita a uma taxa variável (assim é em 90% dos casos), iria subir muito para lá do que imaginaria e poderia pagar. Ou seja, os portugueses estão a ser massacrados não porque foram empurrados para comprar casa – endividando-se por toda uma vida – , não porque os bancos se estejam a aproveitar dos aumentos decretados pelo BCE para acumularem lucros escandalosos, mas por falta de literacia financeira. No fundo, o povo é que tem a culpa por não saber ler, nem interpretar as dezenas de páginas de letras pequeninas dos contratos que fazem com os bancos. Espantoso!!!
Este endosso de responsabilidades do capital, e dos governos ao seu serviço, para o povo, é o mesmo que ouvimos durante o Pacto de Agressão das troikas, quando nos tentaram impingir a tese de que «vivíamos acima das nossas possibilidades».
Curiosa ainda a conclusão de HG no fecho do dito programa, quando lamentou o fim dos exames nacionais de matemática no ensino secundário, para logo decretar que essa decisão prejudicaria a literacia financeira da malta. Enfim, como se a qualidade de ensino se medisse pelo número de exames que vão servindo de funil – de classe – no acesso aos graus mais elevados.
De facto, é precisa alguma «literacia política», essa sim, para que não nos deixemos enrolar na conversa das HG que por aí andam...