A ironia da Raret
A Raret era uma base norte-americana que, a partir do Ribatejo, em Portugal, emitia a Rádio Europa Livre com propaganda anticomunista dirigida aos países da Europa de Leste. Recentemente, uma série de televisão e um livro aproximaram essa estória do presente de muitos portugueses.
O primeiro que se destaca é a ironia da coisa. Uma emissora situada num país oprimido por uma ditadura fascista a emitir propaganda sobre «o mundo livre». Uma emissora situada num país onde os comunistas estavam presos por lutarem pela liberdade e a democracia, a difundir propaganda anticomunista que prometia a liberdade.
Mas pensemos nas pessoas que trabalhavam na Raret. Viviam no meio de uma região miserável, que na sua própria descrição, custava a crer situar-se na Europa. Viviam no seio de uma ditadura fascista, com censura, repressão da organização política e sindical, num país mergulhado numa guerra colonial que o mundo condenava. E todos os dias, indiferentes a essa realidade, produziam a propaganda sobre o mundo livre que depois era difundida para a Europa de Leste.
Esses homens e mulheres viviam num país da NATO. Bastava-lhes olhar à volta para perceber o que era (e é) a NATO. Era-lhes impossível não saber o que era (e é) a NATO. E, no entanto, todos os dias cumpriam a sua missão e produziam propaganda que apresentava a NATO como o garante da democracia e dos direitos humanos.
No fundo, o mesmo que se passa hoje. Só que os emissores da Rádio Europa Livre foram substituídos pela cacofonia de milhares de canais de comunicação, todos perfeitamente alinhados com o pensamento único. Que agora emitem para Portugal. Indiferentes à realidade portuguesa, a prometerem o paraíso, se cedermos a nossa soberania, entregarmos a nossa economia às suas multinacionais e – chegará o dia, como já chegou na Holanda e na Ucrânia – colocarmos a língua deles como nossa língua oficial.
Quando ligares a televisão ou a rádio, lembra-te da Raret. São eles que emitem. O que dizem é mentira. E eles sabem.