A oportunidade

Gustavo Carneiro

Há 40 anos, milhares de jovens (portugueses, mas também outros, oriundos de 21 países) participaram no Festival Dêem uma oportunidade à paz, em Tróia. Durante uma semana, houve música, desporto, debate e convívio, muito convívio. Na altura, o Avante! afirmou que essa realização, «inédita no nosso País, foi primeiro que tudo uma jornada que fez despertar consciências e forças para um combate fundamental da Humanidade: o da Paz.»

E tão importante era, então, este combate.

Nesse ano de 1983, o imperialismo norte-americano (com Reagan na presidência) respondia às derrotas sofridas nas décadas anteriores intensificando a militarização e a confrontação. Em Portugal como noutros países da Europa, lutava-se contra a instalação, estacionamento e trânsito de armas nucleares dos EUA e exigia-se o desarmamento geral, simultâneo e controlado. Na mensagem aprovada no Festival reclamava-se que fossem «declarados desnuclearizados todos os concelhos, todos os distritos, todo o País».

Já no ano anterior, imponentes manifestações tinham expressado, em Lisboa e no Porto, a rejeição da escalada armamentista, da «acumulação sem precedentes de potencial explosivo nuclear, agravada agora na Europa com a instalação de novos mísseis», e da decisão dos EUA de produzirem a bomba de neutrões. Pouco depois do Festival, em Outubro de 1983, novas jornadas reivindicavam negociações visando a «redução recíproca e equilibrada de todas as armas nucleares já existentes na Europa, importante etapa da sua eliminação completa em todos os continentes».

Em 1986, Ano Internacional da Paz das Nações Unidas, a luta contra a instalação dos mísseis Pershing em países da Europa Ocidental subiu de tom, e não só em Portugal: um ano e meio depois, EUA e URSS assinavam o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio (INF na sigla inglesa), no âmbito do qual seriam desmanteladas 3800 ogivas nucleares no continente. O mundo respirou de alívio com mais esta vitória das forças da paz…

Entretanto, no passado fim-de-semana, o mesmo apelo voltou a soar, e uma vez mais no concelho de Grândola: Dêem uma oportunidade à paz!. Centenas de jovens que ali acamparam – e ouviram música, praticaram desporto, divertiram-se – reclamaram o seu direito a viver em paz, num mundo mais justo. Defenderam que o que hoje se gasta na guerra seja investido na educação, na saúde, na cultura, no desporto. Reivindicaram o fim da confrontação a que uma vez mais o imperialismo recorre para travar o seu declínio. Exigiram o estabelecimento de acordos de desarmamento (como o INF, do qual os EUA se desvincularam unilateralmente em 2019).

Muito mudou em 40 anos, mas há também o que se mantém inalterado: a natureza agressiva do imperialismo e a existência de quem lhe faça frente e lute pela paz, desde logo a juventude.

 



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