Dez anos depois da privatização: o exemplo dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo

Jaime Toga (Membro da Comissão Políticas)

A in­dús­tria trans­for­ma­dora é a base in­subs­ti­tuível do de­sen­vol­vi­mento

Quase uma dé­cada de­pois da pri­va­ti­zação dos Es­ta­leiros Na­vais de Viana do Cas­telo (ENVC), é pos­sível con­firmar os alertas do PCP quanto à cri­mi­nosa de­cisão pro­mo­vida pelo go­verno PSD/​CDS, que des­truiu cen­tenas de postos de tra­balho qua­li­fi­cados e en­tregou a um grupo eco­nó­mico o único es­ta­leiro com ca­pa­ci­dade de pro­jecto no País.

A esta dis­tância, olhar para o pro­cesso per­mite ainda con­firmar a acção de­ter­mi­nada dos exe­cu­tantes de turno da po­lí­tica de di­reita e a sua con­ver­gência com a es­tra­tégia da UE. Exemplo disto é o facto de o go­verno ter im­pe­dido que os ENVC pu­dessem cons­truir as­fal­teiros para a Ve­ne­zuela, além de ter can­ce­lado con­tratos que a Ma­rinha por­tu­guesa tinha com os ENVC para, uns meses de­pois, os en­tregar à em­presa já pri­va­ti­zada.

Na mesma linha, a Co­missão Eu­ro­peia de­clarou ilegal o in­ves­ti­mento do Es­tado por­tu­guês na em­presa pú­blica, con­fir­mando o papel da UE como es­tru­tura ao ser­viço dos mo­no­pó­lios e, pe­rante a co­ni­vência do go­verno PSD/​CDS, a de­li­be­rada in­ter­venção das ins­ti­tui­ções eu­ro­peias no pro­cesso de des­man­te­la­mento do apa­relho pro­du­tivo na­ci­onal.

Eram e são viá­veis
O ar­gu­mento da falta de vi­a­bi­li­dade e falta de en­co­mendas não era ver­da­deiro quando de­sen­ca­de­aram o pro­cesso de pri­va­ti­zação, nem é ver­da­deiro hoje, com os es­ta­leiros en­tre­gues ao grupo Mar­tifer a manter ac­ti­vi­dade, sem falta de en­co­mendas e com um im­por­tante con­tri­buto para os mi­lhões de euros de lu­cros ar­re­ca­dados por aquele grupo eco­nó­mico no úl­timo ano.

Para iludir a sua sub­missão aos in­te­resses do grande ca­pital, o go­verno PSD/​CDS e o grupo Mar­tifer ga­ran­tiram o com­pro­misso de con­tra­tação de 400 tra­ba­lha­dores para os es­ta­leiros de Viana do Cas­telo. Mas, ac­tu­al­mente são apenas cerca de 300 no con­junto dos es­ta­leiros de Aveiro e Viana do Cas­telo. Além disto, há ainda a as­si­nalar o re­curso ao tra­balho pre­cário.

Con­fir­mando a sua sub­missão aos in­te­resses do grande ca­pital e às im­po­si­ções da UE, da parte do Go­verno PS não há qual­quer ten­ta­tiva re­verter este ca­minho e de­fender o in­te­resse na­ci­onal. Antes pelo con­trário. Con­vivem bem com a pro­pri­e­dade pri­vada de uma em­presa es­tra­té­gica, são co­ni­ventes com o re­curso à pre­ca­ri­e­dade e nada fazem para exigir do grupo Mar­tifer a cri­ação dos postos de tra­balho pro­me­tidos.

Mais re­cen­te­mente, em res­posta a um ques­ti­o­na­mento do Grupo Par­la­mentar do PCP, fi­camos a saber da in­tenção do Go­verno em «apostar no apoio à ex­pansão, mo­der­ni­zação e evo­lução do es­ta­leiro, sendo o in­ves­ti­mento mais re­le­vante a cons­trução da fu­tura nova doca (…) o Go­verno, através da Ad­mi­nis­tração Por­tuária, já re­a­lizou as dra­ga­gens ne­ces­sá­rias para a barra do porto e acesso ao es­ta­leiro, no sen­tido da cri­ação das con­di­ções para re­ceber na­vios mai­ores na fu­tura doca».

Ou seja, quando a em­presa era pú­blica a Co­missão Eu­ro­peia dizia ser ilegal o apoio do Go­verno por­tu­guês. Agora que a em­presa é pri­vada pa­rece que já é legal!

 

Re­cu­perar o con­trolo pú­blico

O rumo de des­truição do apa­relho pro­du­tivo e a en­trega ao grande ca­pital de ala­vancas es­sen­ciais da nossa eco­nomia é marca da po­lí­tica de di­reita que há mais de 47 anos temos no País. Romper com este rumo e esta po­lí­tica é in­dis­pen­sável para ga­rantir um país com fu­turo, an­co­rado nos va­lores de Abril.

Tal como o PCP propõe, é ur­gente a con­cre­ti­zação de uma po­lí­tica de Es­tado em de­fesa e pro­moção da pro­dução na­ci­onal, o que pres­supõe um con­junto de me­didas con­cretas di­ri­gidas a cada um dos sec­tores da ac­ti­vi­dade eco­nó­mica, no­me­a­da­mente ao nível da in­dús­tria trans­for­ma­dora, em que se in­sere a in­dús­tria naval.

A in­dús­tria trans­for­ma­dora é a base in­subs­ti­tuível do cres­ci­mento eco­nó­mico e do de­sen­vol­vi­mento. Re­cu­perar o con­trolo pú­blico dos ENVC e a ca­pa­ci­dade de re­parar e cons­truir na­vios, desde a fase de pro­jecto, é parte in­te­grante de um pro­jecto al­ter­na­tivo que o PCP apre­senta ao povo por­tu­guês.




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