A habitação não é mercadoria mas uma necessidade humana

«Ao arrepio da Constituição e dos valores de Abril, a política de direita impôs a liberalização da habitação» e pretendeu «convencer-nos de que é o mercado, e não o Estado, que está em melhores condições de garantir este direito. Os resultados deste caminho estão à vista», considerou Paulo Raimundo, no Encontro Nacional do PCP sobre a matéria.

O Secretário-geral do Partido encerrou uma reunião que decorreu durante todo o dia de sábado, 15, na Voz do Operário, sob o lema «Tomar a iniciativa. Assegurar o direito à habitação para todos», e que contou com mais de 30 intervenções que procederam não apenas à caracterização aprofundada, multifacetada e grave da situação no sector, mas também apontaram soluções (ver caixa).

No final, foi aprovada uma resolução na qual constam as propostas do PCP para uma outra política que materialize o direito constitucional à habitação (ver caixa). Direito inscrito na Constituição aprovada após a Revolução Portuguesa, mas que foi sempre ignorado pelos sucessivos governos, vassalos da reconstituição do poder dos monopólios. Processo que, de resto, a abrir os trabalhos, foi resumido por João Dias Coelho, da Comissão Política do Comité Central (ver caixa).

Direito que, recordou por seu lado Paulo Raimundo, não só não foi cumprido como contrariado na prática governativa pela atribuição ao «mercado, e não ao Estado», o papel de promotor da sua concretização.

«Os resultados estão à vista», alertou o dirigente comunista, que deu como exemplo o sucedido, só nos últimos três anos, em Lisboa e No porto, onde 60 e 20 mil arrendatários, respectivamente, foram expulsos das suas casas.

«Não é por acaso que o Partido caracteriza este chamado novo regime de arrendamento (NRAU) como a lei dos despejos», acrescentou, antes de frisar, noutro plano, que «o papel dominante do grande capital no mercado da habitação tem permitido aos grupos económicos somar avultados lucros à conta de uma necessidade básica da população».

«Em particular a banca, que só em 2022 obteve quase 7 milhões de euros de lucros por dia», precisou, ao que se junto o facto de que, «enquanto a esmagadora maioria dos residentes se sacrifica para manter a sua habitação» e «muitos imigrantes vivem em condições absolutamente desumanas, assistimos ao incentivo despudorado de estrangeiros com alto poder aquisitivo».

Favorecimento da especulação imobiliária e NRAU são, assim, «os dois grandes obstáculos à concretização de uma política de habitação justa». São, ainda, «protegidos por PS, PSD, IL e Chega», responsabilizou Paulo Raimundo, antes de criticar «este Governo e o PS» de, «perante a grave crise que enfrentamos» e «as dificuldades de muitos milhares de famílias», insistirem na «atribuição de novos benefícios fiscais para aqueles que têm especulado com a habitação e obtido chorudos lucros, designadamente a banca, os fundos imobiliários e os grandes proprietários».

Soluções

«PSD, CDS, IL e Chega querem ir ainda mais longe», advertiu ainda o Secretário-geral do PCP. Como afirmou Paulo Raimundo, o que se impõe é a «intervenção directa e investimento do Estado para alargar a oferta de habitação pública; a protecção dos inquilinos, com a revogação da lei dos despejos e, para as famílias com crédito à habitação, pôr os lucros da banca a pagar o aumento das taxas de juro», bem como «enfrentar os interesses especulativos» e «recusar a concepção da habitação como mercadoria».


De Abril ao pesadelo

A abrir os trabalhos, João Dias Coelho, da Comissão Política do Comité Central do PCP, fez um breve mas elucidativo resumo da ofensiva contra o direito à habitação, constitucionalmente consagrado com a Revolução de Abril e impulsionado por esta, mas negado e subvertido em nome da acumulação de lucros pelo grande capital, designadamente o financeiro, ao longo de décadas de política de direita e por responsabilidade de sucessivos governos liderados por PS e PSD.

  • O Portugal de Abril herdou do fascismo uma carência habitacional estimada em 531 mil fogos e 31 mil famílias alojadas em barracas. A energia eléctrica chegava apenas a 62,6% das casas, a água canalizada a 45,8% e as instalações sanitárias a 29,2%;

  • Logo após a Revolução, processos como o SAAL começaram a dar resposta às milhares de famílias que habitavam em condições indignas, ao que acrescem, entre outras medidas, intervenções de infraestruturação nas áreas de loteamento ilegal, o auxílio à autoconstrução, a limitação do valor do solo a uma percentagem do valor da construção. A Constituição da República Portuguesa, aprovada a 2 de Abril de 1976, consagra, no artigo 65, o direito à habitação como fundamental.

  • Os governo PS e PS/PSD e os dois acordos celebrados por estes com o FMI, entre 1977 e 1985, fizeram marcha atrás no investimento público em habitação e abriram caminho à reconstituição dos grupos monopolistas, com destaque para a banca e os seguros. O Governo PSD, a partir de 1987, aprofunda a ideia, inconstitucional, de que não cabe ao Estado, mas ao «mercado», assegurar o direito à habitação. Em 1993, ainda impulsiona o Programa Especial de Realojamento (PER), mas só nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e limitado aos aglomerados de barracas.

  • Entre 1992 e 2002, 85% de todo o investimento público na área da habitação dirige-se à bonificação de juros bancários. Prossegue a alienação do património público, que passa de de mais de 40 mil imóveis habitacionais para os actuais cerca de 12 mil.

  • Os governos PSD/CDS, de Passos Coelho e Paulo Portas, não destinam um cêntimo a programas de renda apoiada e ainda agravam, em 2012, o NRAU, imposto em 2006 pelo Governo PS/Sócrates. A relação entre senhorios e inquilinos é sobremaneira desequilibrada a favor dos primeiros;

  • O governo PS que entra em funções em 2015 recusa-se a revogar o NRAU. Confrontado com a aprovação, em 2019, da Lei de Bases da Habitação, que integra várias propostas do PCP, tarda em materializá-la em políticas concretas;

  • No primeiro trimestre de 2023, as rendas de casa subiram 5,5%, depois de terem subido 10,6% no quarto trimestre de 2022. O índice de preços de habitação aumentou 12,6% em 2022. As taxas Euribor crescem abruptamente desde o início do ano passado.

 

Medidas inadiáveis

No Encontro Nacional sobre habitação foi aprovada uma resolução contendo propostas de carácter imediato, umas, e outras estruturais, mas todas inadiáveis, entre as quais:

  • A definição de taxa de esforço no arrendamento, beneficiando famílias de mais baixos rendimentos e a contenção da subida dos spreads bancários, fixando em 0,25% o praticado pela CGD;

  • Pôr os lucros da banca a suportar a subida das taxas de juro, fixar o limite máximo da prestação em 35% do rendimento mensal do agregado familiar e impor critérios e condições justas para renegociação de empréstimos;

  • Limitar os despejos quer no arrendamento quer na sequência de penhoras ou execução de hipotecas e reforçar as verbas do Porta Jovem 65;

  • Promover uma política de solos que assuma a primazia das competências públicas no Ordenamento do Território, no Urbanismo e na Reabilitação Urbana combatendo, na origem, a especulação fundiária, e aprovar um verdadeiro Plano Nacional de Habitação, imputando ao Estado a liderança de programas públicos, cooperativos, do sector social e privados com a clara definição de objectivos e de investimento público;

  • Investir no alargamento do parque habitacional público e no regime de renda apoiada;

  • Revogar o NRAU e substituí-lo por legislação que seja garante de direitos quer de inquilinos quer de proprietários;

  • Criar programas habitacionais públicos de estímulo ao arrendamento, particularmente para jovens, promover, através do movimento cooperativo, do sector social e mutualista, um parque habitacional de custos e qualidade controlados e outro destinado a habitação para arrendamento sem fins lucrativos;

  • Tomada de posse administrativa, em áreas de declarada carência habitacional, de fogos devolutos que sejam propriedade de fundos imobiliários, destinando-os a programas habitacionais públicos, bem como a limitação da aquisição de habitações por fundos imobiliários;

  • Revisão da legislação fiscal de favorecimento a residentes não habituais e extinção dos Vistos Gold, bem como a limitação, em áreas de declarada carência habitacional, da eliminação de habitação por via de investimento turístico;

  • Criação de programas, dotados de linhas de crédito a taxas reduzidas, destinados à recuperação e reabilitação de habitação e de uma rede pública de residências, de preços controlados, para estudantes e trabalhadores deslocados;

  • Investir no desenvolvimento tecnológico da construção civil, inclusive nos processos industriais a montante, e na formação profissional de molde a diminuir custos e a melhorar a qualidade da habitação, assim como clarificar e simplificar os procedimentos legais que, no respeito pelas regras urbanísticas e construtivas, leve à celeridade processual e consequente diminuição dos custos administrativos.

 

Retrato Vivo

«Existem 15 mil camas em residências públicas para 108 mil estudantes deslocados».

Mónica Mendonça

«A Banca há muito que se concentrou no crédito à habitação: 100 283 milhões de euros de stock em 2022».

Pedro Massano

«A taxa de esforço com a habitação situa-seentre 40% e 60% do rendimento familiar».

Pedro Ventura

«[O pacote do Governo para a habitação] não passa de migalhas caídas da farta mesa dos fundos imobiliários e do capital financeiro».

Lino Paulo

«Entre 2017 e o início de 2022, o crescimento do preço da habitação triplicou o dos custos de construção e quintuplicou o dos rendimentos do trabalho».

Josué Caldeira

«Em 2018, o IHRU sinalizou o distrito de Aveiro como o quarto mais necessitado [de habitações sociais]».

João Canas

«Em 10 dos 16 municípios do Algarve, o SAAL promoveu 25 associações de moradores e 1324 fogos».

Daniel José

«Imóveis sem condições mínimas são alugados para os migrantes mais pobres, atingindo níveis criminosos».

Francisco Franco

«Este Governo PS insiste em não responder aos problemas gravíssimos que as populações enfrentam no direito à habitação».

Bruno Dias

As estratégias locais de habitação indicam que são necessários mais de 100 mil fogos».

Eugénio Pisco

«Na maioria dos concelhos do interior não existe oferta de habitação pública que colmate as necessidades».

Inês Fonseca

«As camadas das cidades que temos resultam de vontades e interesses privados, quer pela propriedade dos solos, quer pelo “papel dos urbanizadores”, quer ainda pela qualidade e uso da edificação, subordinada às mais elevadas taxas de lucro».

Mário Moreira

«Em 2022, o arrendamento no Porto aumentou 137%. O metro quadrado na cidade ronda os 3332 euros».

Cristiano Castro

«No Vale da Amoreira, Moita, aluga-se um quarto de casal por 380 euros».

Jorge Feliciano

«52 % dos trabalhadores recebe até 800 euros brutos e 69% até 1000 euros».

Valter Lóios

«O metro quadrado em Lisboa são 5 mil euros, 2600 na Amadora, 3800 em Oeiras, 2300 em Sintra, 2400 em Mafra e 1600 na Lourinhã. As rendas aumentaram 30 por cento no distrito desde 2013».

Gonçalo Tomé

«Desde 2010 foram construídas 17 novas habitações municipais por ano em Lisboa».

Íris Damião

«Em 2022, apenas 23% dos trabalhadores foram abrangidos por aumentos salariais».

Dinis Lourenço

«O estado da habitação pública [no distrito de Braga] confirma a opção de desinvestimento e fragilização do IRHU».

Tânia Silva

«Em 2012 [num bairro público em Guimarães] fomos confrontados pelo IRHU com aumentos entre 5 mil e 20 mil %».

João Pedro

«Os novos contratos [em habitação pública em Marvila] aumentam rendas de 6 para 400 euros».

Pedro Chagas

«Entre 1990 e 2010, o stock de apartamentos ociosos chegou a ultrapassar os 1,2 milhões».

Cardão Pinto

«O preço médio da renda de um T2 em Vila Real são 600 euros».

Guilherme Dias

«Uma notícia recente do Público relatava que o sector cooperativo só constrói 16 casas por ano».

Tiago Mota Saraiva

«Nas iniciativas realizadas identificámos disponibilidade da população em intervir. Precisamos transformá-la em mais luta e acção».

Paulo Loya

«Uma causa da gentrificação é a enorme quantidade de propriedades vagas em elevada degradação, potenciando a especulação imobiliária».

Luís Mendes

«Com a fragmentação do mundo do trabalho, as cidades e a habitação são um campo de disputa entre os que nela vivem e trabalham e os que lhes extorquem a mais-valia».

Nuno André Patrício

«O acesso à habitação é determinante para a emancipação [das mulheres] e a igualdade na vida».

Lily Nóbrega

«Em 2022, no Alentejo Central, o aumento das rendas foi entre 12 e 27%».

Susana Mourão

«Em 2015, em média, os jovens saiam de casa dos pais aos 29 anos. Hoje saem aos 34».

José Lourenço (texto de Fernando Sequeira)

«Evidência [do incumprimento da Constituição] é o facto de o parque habitacional público representar apenas 2% do total».

Carla Lopes

«Há crianças que acumulam traumas devido ao estigma e à exclusão por viverem em habitações degradadas».

Paulo Silva



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