Israel: a natureza do regime

Ângelo Alves

Na Pa­les­tina os úl­timos três meses foram par­ti­cu­lar­mente mor­tí­feros

A Páscoa foi mais uma vez o pe­ríodo de uma nova ronda de vi­o­lência e agressão de Is­rael contra o povo pa­les­ti­niano e de pro­vo­ca­ções contra o Lí­bano e a Síria. A tác­tica não é nova, montar uma pro­vo­cação na Es­pla­nada das Mes­quitas em Je­ru­salém – le­vada neste caso ao ex­tremo de a re­a­lizar du­rante ora­ções do Ra­madão, por duas vezes, e de numa delas in­vadir a Mes­quita de Al-Aqsa (um dos mais im­por­tantes lo­cais re­li­gi­osos mu­çul­manos no mundo) e atacar, es­pancar e prender as cen­tenas de fiéis que ali se en­con­travam.

O ciclo de crimes e vi­o­lência que já vinha de trás (os úl­timos três meses foram um dos mais mor­tí­feros pe­ríodos dos úl­timos 20 anos) foi assim in­cen­diado, de forma pre­me­di­tada, de modo a jus­ti­ficar re­no­vados ata­ques na Faixa de Gaza e na Cis­jor­dânia e pro­vo­ca­ções como os ata­ques aé­reos no sul do Lí­bano – os mais vi­o­lentos desde 2006 – e contra a Síria. Im­porta com­pre­ender o porquê agora destes acon­te­ci­mentos.

A si­tu­ação no Médio Ori­ente re­flecte mu­danças nas re­la­ções in­ter­na­ci­o­nais que, na re­gião, ob­jec­ti­va­mente con­tra­riam o do­mínio do im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano e do si­o­nismo. Isso foi claro com o modo como evo­luiu o con­flito na Síria, onde os EUA e Is­rael pa­recem cada vez menos bem-su­ce­didos na ten­ta­tiva de im­pedir uma so­lução cons­truída com base no diá­logo entre Tur­quia, Síria, Irão e Fe­de­ração Russa. E foi muito evi­dente com o acordo de res­ta­be­le­ci­mento de re­la­ções entre a Arábia Sau­dita e o Irão, me­diado pela China, um acon­te­ci­mento com grande im­pacto no xa­drez de forças em pre­sença na re­gião, que re­tira campo à velha es­tra­tégia do im­pe­ri­a­lismo de «di­vidir para reinar». O facto de a Arábia Sau­dita já estar sen­tada à mesa das ne­go­ci­a­ções para um cessar-fogo no Iémen; da Síria estar a nor­ma­lizar as suas re­la­ções com países como os Emi­rados Árabes Unidos, o Bah­rein ou a Arábia Sau­dita; de a pró­xima ci­meira da Liga Árabe, que se re­a­li­zará em Maio na Arábia Sau­dita, poder de­cidir da re­ad­missão da Síria e ter como ponto prin­cipal a re­so­lução do con­flito; de vá­rios mem­bros da Liga Árabe, com des­taque para a Jor­dânia e o Egipto, terem sido par­ti­cu­lar­mente duros nas cri­ticas à pro­vo­cação de Is­rael na Mes­quita de Al-Aqsa, com­provam essa ten­dência.

Si­mul­ta­ne­a­mente, a co­li­gação de ex­trema-di­reita que está no Go­verno em Is­rael – onde pon­ti­ficam fi­guras si­nis­tras como o mi­nistro da se­gu­rança Ben-Gvir, co­nhe­cido por co­me­morar mas­sa­cres de pa­les­ti­ni­anos – en­frenta forte re­sis­tência in­terna e ex­terna à ten­ta­tiva de con­so­li­dação de uma di­ta­dura con­fes­si­onal, ar­mada com uma nova mi­lícia pri­vada di­ri­gida por Ben-Gvir, con­ce­bida para ter­minar com quais­quer laivos de so­lução de dois Es­tados para a questão pa­les­ti­niana, de­se­nhada para apro­fundar a po­lí­tica de apartheid e re­pressão, «le­ga­lizar» os crimes nos ter­ri­tó­rios ocu­pados e apro­fundar a dis­cri­mi­nação e per­se­guição aos pa­les­ti­ni­anos, in­cluindo aqueles que re­sidem em Is­rael, e a todos os que se opo­nham ao re­gime si­o­nista.

A his­tória do Médio Ori­ente en­sina-nos que se os EUA e Is­rael perdem ini­ci­a­tiva no plano ex­terno e que se, si­mul­ta­ne­a­mente, no plano in­terno a cú­pula si­o­nista de poder en­frenta re­sis­tên­cias, então a res­posta é sempre a mesma: fazer a guerra e brandir o «ini­migo» para aplacar di­vi­sões in­ternas e criar con­flitos ex­ternos. É esta a na­tu­reza do re­gime si­o­nista.




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