O que é privado é que é bom

Margarida Botelho

O Portal da Queixa, que se apresenta como uma rede social de consumidores on-line, divulgou a propósito do Dia Mundial da Saúde, que se assinala a 7 de Abril, que as queixas do sector da saúde dispararam 62% no primeiro trimestre deste ano, registando 1298 queixas.

O sector privado é o mais visado, num universo que inclui hospitais, centros de saúde e clínicas, tendo sido alvo de 480 reclamações, mais 220% do que no mesmo período em 2019. A subida das queixas no público foi na ordem dos 28,41%.

Os motivos das queixas diferem entre público e privado: nas unidades do Serviço Nacional de Saúde a principal queixa relaciona-se com a morosidade do atendimento, com 37,2%; nas unidades privadas, o principal motivo de queixa prende-se com a cobrança indevida na prestação de cuidados, com 20,1% do total, seguindo-se a morosidade do atendimento, com 19,1%, e a falta de informação, com 12,1%.

A descrição com que a notícia foi tratada casa bem com a falta de destaque com que a comunicação social tratou por exemplo a greve dos enfermeiros do sector privado – uma greve inédita, mas que desdiz a narrativa oficial de que o que é privado é que é bom e de que só os funcionários públicos fazem greves. Como neste caso: como raio encaixa na narrativa uma subida de queixas no privado? Não se estão mesmo a ver as manchetes e aberturas de telejornal, as vestes rasgadas e as redes inflamadas se as queixas do SNS tivessem aumentado 220%?

Pode dizer-se que o Portal da Queixa não é uma amostra científica e que no próximo trimestre os números podem ser outros. Pode, mas não deixa de ser significativo. A verdade é que o sector privado funciona com o mínimo de recursos possível, designadamente trabalhadores, que empurra para o SNS os casos complicados e que tem o maior interesse em que as dificuldades – bem reais! – do SNS sejam agigantadas. A alternativa é salvar o SNS, dotá-lo dos meios e dos profissionais que lhe permitam responder às necessidades da população, em todas as fases da vida e em todas as circunstâncias. A luta dos profissionais, dos utentes, das populações, de todos os interessados num país desenvolvido e justo é que vai ter de defender e impor a salvação do SNS.




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