Combater a pobreza com mais exploração?

Gustavo Carneiro

À margem da Ci­meira das Pes­soas da Rede Eu­ro­peia Anti-Po­breza, na pas­sada sexta-feira, Sandra Araújo, a co­or­de­na­dora da Es­tra­tégia Na­ci­onal de Com­bate à Po­breza, anun­ciou que o Go­verno quer di­mi­nuir a po­breza em Por­tugal de 16 para 10 por cento até 2030 e, de­pois das me­didas para a ha­bi­tação, de­verá em breve anun­ciar me­didas para ate­nuar os efeitos da in­flação nos bens ali­men­tares.

Ora, sa­bendo-se que a causa fun­da­mental da po­breza ra­dica na ex­plo­ração le­vada a cabo pelo ca­pital sobre o tra­balho e na es­pe­cu­lação dos grupos eco­nó­micos sobre os preços, no­me­a­da­mente dos bens ali­men­tares, só por in­ge­nui­dade se pode dar cre­di­bi­li­dade à anun­ciada in­tenção do Go­verno, co­nhe­cidas que são as suas po­si­ções sobre as me­didas ver­da­dei­ra­mente es­tra­té­gicas que se im­põem – e as únicas re­al­mente efi­cazes – para di­mi­nuir a po­breza em Por­tugal: o au­mento geral dos sa­lá­rios e pen­sões e a fi­xação e con­trolo do preço dos bens es­sen­ciais.

De facto, como pode traçar uma meta de di­mi­nuição da po­breza um go­verno que des­va­lo­riza sa­lá­rios e pen­sões, piora a le­gis­lação la­boral, deixa de­gradar os ser­viços pú­blicos, fa­vo­rece os grupos eco­nó­micos que es­pe­culam com os preços, não re­solve as ques­tões es­sen­ciais da ha­bi­tação?

Com papas e bolos se en­ganam os tolos, diz o afo­rismo po­pular. Não en­ganam cer­ta­mente os tra­ba­lha­dores e o povo, como ficou de­mons­trado na gran­diosa ma­ni­fes­tação na­ci­onal, no sá­bado pas­sado, em Lisboa e em tantas ou­tras lutas que con­ti­nuam a travar.

Como sa­bemos, não é com po­lí­ticas as­sis­ten­ci­a­listas – que ali­viam si­tu­a­ções ex­tremasmas não li­bertam da po­breza os que vivem nessa dra­má­tica si­tu­ação, nem tão pouco dão res­posta à ne­ces­si­dade da sua er­ra­di­cação – que se re­solve o pro­blema. Tal ob­jec­tivo exige a re­dis­tri­buição da ri­queza por via do au­mento dos sa­lá­rios e pen­sões; torna im­pres­cin­dível a rup­tura com a po­lí­tica de di­reita em que o Go­verno do PS de mai­oria ab­so­luta e os par­tidos que o apoiam nas ques­tões es­sen­ciais (PSD, CDS, Chega e IL) se mos­tram tão pro­fun­da­mente em­pe­nhados; impõe a afir­mação da al­ter­na­tiva, que ponha Por­tugal na rota do pro­gresso so­cial.




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