Nem as crianças escapam

Manuel Gouveia

Há uns anos, numa entrevista para o programa «60 minutes» na televisão norte-americana, Madaleine Albright, Secretária de Estado (o equivalente a ministro dos Negócios Estrangeiros) de Bill Clinton, questionada sobre a morte de 500 mil crianças no Iraque, por causa das sanções, deu a lacónica resposta de que «Achamos que valeu a pena». Nada lhe aconteceu, nem viva nem morta, pois quando morreu multiplicaram-se as homenagens. E nada aconteceu aos restantes mandantes do crime, um deles até conseguiu nele envolver o nome de Portugal na guerra e viria a ser presidente da Comissão Europeia.

Este silêncio não vem de uma particular indiferença perante as crianças. Elas mereceram a mesma indiferença, o mesmo silêncio, que outros milhões de homens e mulheres, vítimas do imperialismo na Líbia, no Iraque, na Síria, no Afeganistão, no Iémen, na Somália...

O próprio silêncio desumano e cúmplice do Ocidente com milhões de crianças desnutridas, que todos os anos morrem, mostra que não é propriamente com as crianças que estão preocupados.

E eis que de repente, perante o facto, reconhecido e anunciado pelos próprios, da Federação Russa estar a deslocar crianças do Donbass para longe da linha da frente, para as proteger dos bombardeamentos ucranianos, eis-nos mergulhados numa campanha contra o «rapto de crianças ucranianas». E a campanha chega ao limite do TPI pedir a prisão de Vladimir Putin por «crimes de guerra». O mesmo Tribunal que matou Milosevic sem o conseguir condenar, que se submeteu à proibição de investigar os crimes dos EUA e que agora, com esta farsa, se descredibiliza completamente perante o mundo. No fundo, o que o «Ocidente» desejava era poder concretizar a ameaça do Presidente «eleito» pelo golpe fascista de 2014, Poroshenko, quando ameaçava o povo do Donbass com a guerra: «seus filhos viverão escondidos nos porões.»




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