A avidez dos lobisomens

António Santos

Em O Capital, escrito no longínquo século XIX, Marx condenava assim o apetite do capitalismo pelo trabalho infantil: «no seu impulso desmedidamente cego, na sua avidez de lobisomem por sobretrabalho, o capital derruba as barreiras máximas do dia de trabalho, não só as morais mas também as puramente físicas. Ele usurpa o tempo para crescimento, desenvolvimento e saudável conservação do corpo. Rouba o tempo requerido para o consumo de ar livre e luz solar.» Dois séculos mais tarde, o trabalho infantil regressa ao país capitalista mais desenvolvido do mundo como uma doença crónica, e de nascença.

Segundo o Departamento do Trabalho da Casa Branca, em 2022 o número de crianças a trabalhar ilegalmente aumentou 37 por cento. Se olharmos para a última década, esse número ultrapassa os 140 por cento. No final de Fevereiro, o New York Times dava à estampa uma peça intitulada «Sozinhas e Exploradas, Crianças Migrantes em Trabalhos Brutais nos EUA», que denunciava a escala aterradora do crime contra as crianças: centenas de milhares delas, muitas com menos de 12 anos, sem família, a trabalhar como adultos até 14 horas por dia, impedidas de brincar, de aprender, de serem crianças, para engordarem as estatísticas do trabalho infantil e os lucros dos lobisomens que detêm os meios de produção.

De costa a costa, uma maré legislativa percorre os congressos estaduais dos EUA, eliminando as leis que protegiam as crianças do trabalho infantil. No Wisconsin substituiu-se «trabalho infantil» por «trabalho feito por menores»; em Nova Hampshire, permitiu-se que crianças de 14 anos sirvam bebidas alcoólicas e trabalhem até 35 horas por semana; no Senado do Iowa, no passado dia 1, foi aprovado na generalidade o projecto de lei 167 que permite que crianças a partir dos 14 anos possam desempenhar trabalhos perigosos, desde que como «aprendizes». Entre as indústrias abertas à aprendizagem das crianças do Iowa, encontram-se «matadouros, processamento de carne, minas, serras circulares, demolições» etc. Como se não bastasse, o SF167 «isenta os negócios de quaisquer responsabilidades judiciais caso o aprendiz adoeça, sofra um acidente ou morra devido à negligência do empregador». Defendendo o projecto de lei, Jason Schultz, do Partido Republicano, garantiu que a nova legislação «vai criar uma geração de líderes habilidosos».

Da indústria automóvel à indústria alimentar, passando pela construção e pela hotelaria, o trabalho infantil deixou de ser excepção nos EUA. Já não é uma memória nem uma visão do «terceiro mundo. Já não se esconde. É omnipresente e torna-se legal. Na sua crónica semanal no Moville Record, Schulz sintetizava assim a causa do trabalho infantil: «se o futuro pertence às crianças não lhes podemos negar o direito de construí-lo no presente. Não nos podemos esquecer que este mundo é muito mais competitivo do que há 50 anos». Pois é, mas não mais do que há 200, diríamos nós, que sabemos que outro mundo tem mesmo de ser possível.




Mais artigos de: Internacional

Solidariedade do PCP ao povo palestiniano

O PCP reafirma a sua solidariedade ao povo palestiniano na sua luta contra a ocupação e pelos seus inalienáveis direitos nacionais e denuncia o agravamento da repressão israelita e a cumplicidade dos EUA, num comunicado emitido ontem, 8.

Venezuela denuncia continuação da política criminosa de Washington

A Venezuela rechaçou de maneira veemente a extensão da ordem executiva de 8 de Março de 2015, do presidente dos EUA, que estende a criminosa política de agressão contra o povo venezuelano. Esta legislação, assumida pela primeira vez pela administração Obama, alega que a Venezuela representa...

Pela democracia e contra a violência na Índia

O PCP condena a acção terrorista desencadeada pelo Partido Bharatiya Janata do Estado de Tripura contra o Partido Comunista da Índia (Marxista), o Partido Comunista da Índia, a Frente de Esquerda e outras forças políticas e seus activistas, após as recentes eleições que se realizaram neste Estado indiano, onde...