«Expressámos solidariedade com a luta do povo peruano»
Entrevistada pelo Avante! no seu regresso do Peru, Sandra Pereira fala da intensa luta que se trava naquele país em defesa da democracia, contra a repressão, por uma nova Constituição que garanta direitos a todos.
A repressão está a levar novos sectores a juntarem-se às manifestações
Estiveste recentemente no Peru. Em que consistiu essa visita?
O Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Verde Nórdica – A Esquerda no Parlamento Europeu, que o nosso Partido integra, organizou uma missão ao Peru, que decorreu entre os dias 6 e 9 de Fevereiro, com o objectivo de conhecer melhor a actual situação política e social neste país latino-americano e expressar solidariedade para com a luta do povo peruano em defesa da democracia.
Depois da acção golpista que destituiu o Presidente Pedro Castillo, o prendeu e substituiu pela vice-Presidente Dina Boluarte, o Peru tem sido palco de grandes manifestações populares, de greves e de variados protestos, exigindo a renúncia da Presidente «usurpadora», como é chamada.
Com este objectivo, foi programada uma agenda intensa de reuniões com partidos políticos, sindicatos, organizações e movimentos sociais, incluindo estudantis e de mulheres.
Sublinho que esta visita constituiu essencialmente um gesto de solidariedade para com os trabalhadores e o povo peruano, os comunistas e outras forças progressistas e democráticas que lutam pelo respeito da vontade popular e pela reposição integral das liberdades, dos direitos, da legalidade democrática.
E pelo que viste, como descreves a situação nesse país?
Tivemos a oportunidade de estar em Lima. A situação é complexa. Há uma grande maioria de peruanos que vive na pobreza, na denominada «economia informal», sem acesso aos direitos mais básicos e que, pela primeira vez, elegeu «um dos seus» – um sindicalista, professor, filho de camponeses analfabetos –, que foi afastado, ao fim de pouco mais de um ano e meio de mandato no poder, num percurso muito atribulado. Isto num país onde, nos últimos cinco anos, houve seis presidentes, dois eleitos directamente pelo povo peruano e quatro eleitos pelo Congresso.
Ou seja, há uma crise maior em que o poder de facto nunca poderia admitir um governo liderado por alguém com as características de Castillo que, apesar das atribulações do seu curto mandato, procurou «beliscar» o poder económico, quer através da tributação de impostos quer pela adopção de legislação laboral mais favorável aos trabalhadores, com o reforço do direito à greve ou a negociação colectiva na administração pública.
E também é por isso que o povo se manifesta?
Sim. Inicialmente, as manifestações tinham como reivindicação a demissão de Dina Boluarte, a convocação de eleições antecipadas, a constituição de uma Assembleia constituinte e a libertação de Pedro Castillo. Mas a resposta do governo a estas reivindicações – exigidas em grandes manifestações populares – foi uma forte repressão policial e militar, que provocou dezenas de mortos e mais de 1500 feridos.
Um exemplo que seria caricato, se não fosse grave, é o Exército ter entrado com tanques no campus da Universidade de San Marcos, porque aí havia estudantes que se organizaram para acolher, nos espaços exteriores das instalações universitárias, manifestantes que vinham de fora de Lima. Os estudantes asseguravam a alimentação e o alojamento de manifestantes oriundos de diferentes regiões, tendo sido detidas cerca de 200 pessoas.
A esta repressão policial e militar acresce depois a perseguição política. No caso destes estudantes, houve acusações de «terrorismo» (por lerem Marx e Engels e defenderem uma nova constituição) e de posse de material subversivo (faixas com mensagens como No matarás ni con hambre ni con balas). Dirigentes de sindicatos e de movimentos sociais são igualmente alvos de perseguição política numa tentativa – dizem – de «descabeçar», ou seja, de atingir as lideranças dessas organizações e, consequentemente, de limitar a sua acção.
Esta inaceitável repressão, com o reforço das forças policiais e militares na rua, está a levar a que mais sectores da sociedade também se manifestam exigindo o fim desta violência contra o movimento popular e a renúncia de Dina Boluarte.
E como correram as reuniões com as diferentes organizações?
Foram fundamentais para compreendermos a exigência da situação, não só a forma como os povos indígenas se estão a organizar para chegar a Lima, mas também a repressão e perseguição de que muitos dirigentes estão a ser alvo, a criminalização dos protestos, como nos disseram a Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP) e o Partido Comunista Peruano.
Na reunião com a Assembleia Nacional dos Povos (plataforma para articulação da luta, onde estão partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais) ouvimos os representantes de povos indígenas, alguns nas suas línguas quéchua e aymara, que foram a Lima reivindicar a renúncia de Dina Boluarte e uma nova constituição que lhes assegure direitos e os represente. Os seus povos organizam-se na recolha de fundos para que eles, como representantes, possam ir a Lima. No entanto, ali chegados, sentem-se humilhados porque são tratados como «terroristas» e «vândalos». Mas isso não os desalenta. Pelo contrário!
Eu diria que esta tomada de consciência dos direitos que não têm, de que os recursos naturais do país só servem os grandes grupos económicos e de que é necessário mudar a constituição de 1993, de Fujimori, profundamente neoliberal, constitui por si só um avanço.
E a convocação de uma Assembleia Constituinte é, por isso, uma das reivindicações…
Sim, é uma das principais reivindicações, juntamente com a renúncia da Presidente «usurpadora» e da convocação de eleições antecipadas, que não se resume apenas a eleições presidenciais mas também legislativas. Outra exigência que ouvimos em todas as reuniões foi: não mais mortos! E é exactamente a existência de mortos e feridos que dá ainda mais força à exigência da renúncia de Dina Boluarte.
Da nossa parte, em todas as reuniões tivemos a oportunidade de expressar a nossa solidariedade com a luta do povo peruano, aos comunistas e outros progressistas e democratas, e o nosso compromisso de darmos voz às suas reivindicações, defendendo os seus direitos e a soberania e democracia peruanas.