As armas matam

Anabela Filno

A ministra dos Negócios Estrangeiros alemã, Annalena Baerbock, veio a Lisboa a um seminário diplomático, a convite de Gomes Cravinho, e aproveitou para reafirmar que é necessário «manter a entrega de armas» à Ucrânia para que o país «se possa defender e proteger a vida das pessoas». No que parece ser o seu novo lema, Baerbock repete que «as nossas armas salvam vidas», imitando o slogan do lobby norte-americano das armas, Guns Save Lives, o que é no mínimo bizarro para um membro de um partido – os Verdes – que se diz (ou dizia?) pacifista, como fez notar Oskar Lafontaine em artigo recente.

Demagoga, a ministra citou um fado de Mariza para advogar que a UE tem de falar a «uma só voz» no apoio à Ucrânia, para logo depois deixar claro que o tipo de unidade que defende passa pelo fim da necessidade de unanimidade em matéria de política externa e a sua substituição por maioria qualificada, o que obviamente penaliza os pequenos países como Portugal. Simplificando, na UE fala-se a «uma só voz», desde que seja a da Alemanha.

Voz única e pensamento único não são receita original. Mas têm pesadas consequências, como mais uma vez se comprova com a recente divulgação em Canada Declassified (repositório digital de registos governamentais desclassificados ao abrigo da Lei de Acesso à Informação do Canadá), de comunicações de capacetes azuis canadianos que integravam a força de protecção das Nações Unidas enviada para a ex-Jugoslávia em 1992 na tentativa de evitar a guerra. Os documentos contam a história escondida de operações secretas da CIA, fornecimento ilegal de armas, utilização de combatentes jihadistas, encenação de atrocidades, provocações explosivas, sabotagem de conversações de paz, campanhas de intoxicação da opinião pública.

A narrativa imposta pelos EUA e seguida pela UE preparou o terreno para os bombardeamentos da NATO à Jugoslávia em 1999, a pretexto do Kosovo, e «legitimou» a criação do Tribunal Penal Internacional para a Jugoslávia. Também hoje se erguem já vozes, como a do ministro francês dos Negócios Estrangeiros, para criação de idêntico tribunal para «julgar os russos».

Como alguém lembrou num encontro realizado na Suíça sobre «O papel dos media nos conflitos armados – Que media para a paz?», importa lembrar que os media corporativos pertencem ao 0,1% mais rico do mundo. «Os media corporativos não são a favor do establishmentos media corporativos são o establishment!» Os defensores de Guns Save Lives são os mesmos dos «ataques cirúrgicos», dos «danos colaterais», das armas de destruição massiva que não existiam, de 500 000 crianças iraquianas mortas serem «um preço que vale a pena», segundo Madeleine Albright, então representante permanente dos EUA na ONU.

Por mais que se doure a pílula, as armas matam.




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