A urgência da paz no «tempo dos monstros»

A Fundação José Saramago acolheu, no dia 12, um debate promovido pelo Conselho Português para a Paz e Cooperação, com o lema «Defesa da Paz, urgência do nosso tempo», no qual participou perto de uma centena de pessoas.

O imperialismo quer a todo o custo manter a sua hegemonia mundial

«A paz é urgente!» Esta foi a ideia central – e o compromisso – que emanou do debate. Talvez por isso, e como afirmou com assumido exagero o jornalista José Goulão, aquela sessão tenha sido «quase subversiva»: num país em que a opinião é feita «por Milhazes e Rogeiros», pouca visibilidade é dada a quem fala de paz, pois não é essa a vontade de quem promove a guerra e define as narrativas. Com José Goulão estiveram, a lançar o debate, a presidente da direcção nacional do CPPC, Ilda Figueiredo, e o militar de Abril José Baptista Alves, que também assume a presidência da Assembleia da Paz do CPPC.

Passando em revista as alterações à ordem internacional verificadas desde o início do século XX, José Baptista Alves denunciou a pretensão constante das potências ocidentais à hegemonia mundial, expressa tanto nos impérios coloniais como nas guerras impostas aos povos pelo controlo de matérias-primas e mercados e pelo esmagamento das reivindicações populares: os dois conflitos mundiais (1914-1918 e 1939-1945), que ceifaram dezenas de milhões de vidas, e os bombardeamentos nucleares de Hiroxima e Nagasáqui, revelam até onde o imperialismo está disposto a ir para concretizar as suas ambições, alertou.

Com o final da Segunda Guerra Mundial, e na sequência do papel decisivo que tiveram na derrota sobre o nazi-fascismo a União Soviética e as organizações de resistência popular, saiu uma ordem mundial mais justa, apostada na preservação da paz e em impedir que uma nova catástrofe voltasse a suceder. Ao mesmo tempo, notou o militar de Abril, o mundo era varrido por um impetuoso movimento libertador, e foi para o travar que a nova potência dominante do campo imperialista, os Estados Unidos da América, lançou a «guerra fria».

Com o desaparecimento da União Soviética e do campo socialista europeu, no final do século XX, o domínio do imperialismo – político, económico, militar e ideológico – estendeu-se: as agressões ao Iraque, à Jugoslávia, ao Afeganistão, à Líbia e à Síria testemunham-no, assim como as sanções e bloqueios impostos a quem de algum modo resiste às pretensões hegemónicas. O domínio mundial do imperialismo norte-americano é hoje colocado em causa pelo impetuoso desenvolvimento económico de países emergentes, principalmente a República Popular da China.

A Ucrânia e o futuro
José Goulão partiu da pergunta deixada pelo seu antecessor: que mundo existirá após o conflito que hoje se trava na Ucrânia? Excluindo por dever de racionalidade um confronto mundial entre as principais potências nucleares, José Baptista Alves deixou duas hipóteses: uma nova guerra fria e o decorrente «equilíbrio pelo terror» ou, por outro lado, uma nova ordem mundial, multipolar ou mesmo sem pólos, baseada nos princípios do direito internacional e da Carta das Nações Unidas.

A este propósito, José Goulão citou o título da obra recente de António Avelãs Nunes, este é o tempo dos monstros, em que o mundo velho «está a morrer» e o novo «ainda não nasceu». É nesta desesperada tentativa do imperialismo de manter a hegemonia que se insere a grave situação que no Leste da Europa – que, notou, não é uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia, mas um conflito travado desde há décadas pelos EUA (com o subserviente apoio da UE) contra a Federação Russa, que há muito se encontra cercada por bases militares e mísseis da NATO.

O apoio do imperialismo aos sectores mais agressivos do nacionalismo ucraniano (à semelhança do que sucedeu na Síria com o chamado Estado Islâmico e as várias versões da Al-Qaeda), o desrespeito constante – e, sabemos hoje, propositado – dos Acordos de Minsk sobre as regiões russófonas de Donetsk e Lugansk e a insistência na adesão da Ucrânia à NATO foram determinantes para a presente escalada. As principais vítimas, acrescentou, são os povos, a começar pelo ucraniano.

José Goulão rejeitou ainda que, como tantas vezes se diz, esta seja uma guerra ideológica, entre a «democracia» e a «autocracia», ou entre o capitalismo e qualquer resquício de socialismo. Nem o imperialismo se bate por quaisquer «valores» que não os do predomínio económico e militar, como a Ucrânia é desde 2014 dirigida por forças xenófobas e neonazis. Já a Rússia, lembrou, é um país capitalista e a sua liderança assume a herança czarista. Simplesmente defende também a sua soberania e os seus recursos, tem relações próximas com a China e reclama igualdade nas relações internacionais – é precisamente aqui que reside «o problema».

Na opinião do jornalista, o fim da hegemonia do imperialismo norte-americano criará melhores condições para avanços progressistas. Mas será um parto difícil, o desta «nova ordem», desde logo pelos perigos que rodeiam a guerra na Ucrânia, «que ninguém pode perder». Torna-se urgente pôr-lhe fim o quanto antes, apelou.

Esclarecer e mobilizar
Ilda Figueiredo começou por agradecer à Fundação a cedência do espaço e lembrar a presença regular do seu patrono nas acções do movimento da paz e da solidariedade. José Saramago era membro da Presidência do CPPC aquando do seu falecimento. Apelou também ao esclarecimento e mobilização em defesa da paz, pelo desarmamento e a solidariedade com os povos, sublinhando que ambos se fazem na acção quotidiana, junto das pessoas.

É nisto que o CPPC continua apostado, garantiu, dando conta de algumas importantes iniciativas que estão previstas: concertos pela paz (Gondomar – 2.04, Viana do Castelo – 22.04, Loulé – 29.04, Lisboa – 20.05, Vila Nova de Gaia – 21.05, e Setúbal – 3.06), sessões em escolas, colectividades e equipamentos municipais e o III Encontro pela Paz, que reunirá em Vila Nova de Gaia, a 28 de Outubro, organizações e movimentos de diferentes sensibilidades e áreas de actividade.



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