Novo ano lectivo: agravam-se os velhos e surgem novos problemas

Jorge Pires (Membro da Comissão Política)

Assiste-se à desvalorização da Escola Pública e dos seus profissionais

Lusa

Dois meses após o início do ano lectivo, é já possível afirmar que estamos perante uma situação ainda mais preocupante do que as que se têm vivido nos dois últimos anos.

Se, no essencial, se mantêm os problemas para os quais o PCP já vinha a alertar há muito tempo, como a falta de profissionais da educação, nomeadamente professores, mas também auxiliares de acção educativa e diversos técnicos especializados, hoje podemos dizer que a situação piora muito devido a decisões que foram tomadas no âmbito da transferência de competências para as autarquias.

Esta opção, de transferir competências que deveriam ser das escolas ou do poder central para os municípios, dará origem a um conjunto de problemas que terão consequências graves no que respeita à garantia – que é o desígnio constitucional – de acesso, em condições de igualdade de oportunidades, a um ensino de qualidade, o que pressupõe boas condições de trabalho, com vista a assegurar aprendizagens relevantes.

Para quem acompanha o desenvolvimento do ensino em Portugal, particularmente após a cimeira de Lisboa, em Março de 2000, sabe que, para os partidos da política de direita, mais importante do que a qualidade das aprendizagens e das competências adquiridas, o que conta são as certificações. Sendo assim, a garantia de todos e cada um ao conhecimento, ao pleno desenvolvimento das suas capacidades e a uma adequada formação cívica, num projecto que assume a Educação e a Ciência como áreas estratégicas para o desenvolvimento do País, tem vindo a ser substituída por um ensino em que as vias profissionalizantes ganham peso, ao mesmo tempo que se assiste à desvalorização da Escola Pública e dos seus profissionais.

Também nesta matéria não há nenhuma novidade! O capitalismo, para se perpetuar, precisa de reproduzir as condições materiais e ideológicas. Para tal serve-se do seu Estado e dos seus aparelhos ideológicos: a escola, a igreja e a informação, entre outros.

Três exemplos concretos.

Há muito que se sabia que, por razões que se prendem com a desvalorização da profissão docente, muitos jovens que podiam optar por terem a habilitação profissional para darem aulas não o têm feito e, por esse facto, o número de novos professores saídos das escolas superiores de educação são metade do número dos que estão a sair anualmente para a aposentação – só este ano sairão 2401 professores.

Este problema agravar-se-á porque até 2030 aposentar-se-ão cerca de 40% dos professores que estavam no activo no início da década. Consequência directa desta situação, quase 30 mil alunos ainda estão sem pelo menos uma disciplina. A resolução do problema com a contratação de licenciados sem habilitação profissional não é solução e fragiliza a qualidade das aprendizagens.

Uma segunda questão que importa analisar decorre das dificuldades de funcionamento sentidas pelas escolas durante os dois anos de maior incidência da epidemia, que levou a prolongados confinamentos e à substituição do ensino presencial pelo chamado ensino à distância. Para além da degradação da saúde mental de muitas crianças e jovens alunos, perderam-se partes significativas das matérias a leccionar, o que fez aumentar o já significativo défice de aprendizagens.

O Governo apresentou um plano de recuperação com um conjunto de medidas já por si insuficientes, mas do qual, mesmo assim, pouco ou nada concretizou. Neste que deveria ser o ano de maior empenhamento na concretização das medidas, o Governo fez exactamente o contrário, não atribuindo às escolas e agrupamentos o crédito de horas que estas reclamavam e que lhes são necessárias.

Para o Governo, esta questão continua a não ser uma prioridade, pois nem sequer cumpre o plano que apresentou, nomeadamente recusando à maioria das escolas os créditos horários que estas requereram, para concretizarem os seus planos próprios, e que seria elemento essencial do apoio aos alunos. Assim, dezenas de milhares de jovens vão continuar a sair do ensino obrigatório com um défice de aprendizagem, o que terá consequências para quem continuar os estudos no ensino superior, mas também para quem ingressar na vida activa.

Por fim, a imposição da transferência de competências para as autarquias com a crescente e assumida desresponsabilização do Estado Central, constituiu um factor de agravamento das desigualdades e de comprometimento da universalidade da Escola Pública, tal como a Constituição da República consagra

E porque está aberto o processo de Revisão Constitucional, há que impedir que venha a ser desferido um ataque à Escola Pública, em nome, como habitualmente, de uma alargada e demagógica liberdade de escolha que, na verdade, se destina a impor a prevalência do ensino privado em detrimento do público.




Mais artigos de: Opinião

Instigadores da guerra

Tal como se verificou em todas as guerras – da Jugoslávia à Síria –, que com êxtase apoiou, o Parlamento Europeu, ou melhor, a maioria dos deputados que integram os seus grupos parlamentares – que têm, no essencial, sustentado o rumo da União Europeia e as suas políticas –, estão de novo na dianteira do suporte à...

Três notas e um míssil

O recente episódio do míssil-russo-que-caiu-na-Polónia-mas-afinal-era-ucraniano, que animou as hostes mediáticas durante uns dias, não deve ser encarado com ligeireza, sendo útil que suscitasse algumas reflexões. Aqui ficam três. 1. Entre os que – dizem-nos – são nossos «amigos» e «aliados», há quem sonhe com a Terceira...

Carro vassoura

No âmbito da discussão e aprovação do OE para 2023, Luis Montenegro, sem nenhuma ideia de fundo verdadeiramente alternativa que pudesse contrapor à proposta do PS, numa tirada de raro rasgo político, lá voltou a cair numa das suas contradições insanáveis, ao tentar apresentar-se como oposição à própria essência da...

Como se brinca em Portugal?

A Escola Superior de Educação de Coimbra, o Instituto de Apoio à Criança e o site Estrelas e Ouriços realizaram, pela segunda vez, um inquérito a pais sobre a forma como as crianças até aos dez anos brincam. O primeiro tinha sido realizado em 2018 e as conclusões do segundo foram apresentadas no dia 24. Apesar dos 1600...

A exploração

Somos obrigados a voltar ao tema da imigração e das condições de escravatura em que muitos deles se encontram, não tanto pela operação policial que levou à detenção de mais de três dezenas de pessoas, mas por aquilo que dela decorre. Em primeiro lugar temos de insistir na perplexidade que aqui já registámos em duas...