Alimentando a serpente

Jorge Cadima

As consequências históricas de alimentar o fascismo são conhecidas

As eleições em Israel deram a vitória a uma direita ainda mais extrema do que a que já estava no poder. O ex-primeiro-ministro Netanyahu, afogado em escândalos de corrupção, regressa à frente duma coligação que inclui a terceira força política, a aliança Sionismo Religioso, defensor aberto da anexação da Cisjordânia ocupada, da expulsão em massa de palestinianos do seu território histórico, da destruição da Mesquita de Al-Aqsa para construir um templo judaico sobre os seus escombros e das linchagens de palestinianos ao grito de «morte aos árabes».

O editor-em-chefe do jornal israelita Jerusalem Post descreve Itamar Ben-Gvir, chefe do Sionismo Religioso, como «uma versão moderna israelita dum supremacista branco americano e dum europeu fascista» (18.10.22). Outro jornalista israelita, Yossi Klein, comenta os resultados eleitorais com um artigo entitulado: «Agora é oficial: o fascismo somos nós» (Haaretz, 4.11.22). Gideon Levy vai um pouco mais fundo, ao escrever: «Ninguém se deve surpreender com quanto aconteceu. Não podia ser de outra maneira. […]. Cinquenta anos de instigação do ódio contra os palestinianos e de terror sobre eles não podiam acabar num governo de paz. Cinquenta anos de apoio israelita à ocupação, ombro a ombro, da esquerda à direita sionistas, não podiam acabar de forma diferente» (Haaretz, 3.11.22). É uma lição importante.

Parafraseando Levy, podemos dizer que o apoio «ocidental» à Ucrânia, ombro a ombro, da «esquerda» à direita, não pode acabar de forma diferente senão na promoção do fascismo. Esse apoio incondicional finge-se cego ao fascismo que prolifera na Ucrânia. Cego ao culto de Stepan Bandera, colaboracionista nazi, genocida das populações soviéticas, polacas, judaicas. Cego face aos crimes do fascismo ucraniano desde 2014, incluindo o massacre na Casa dos Sindicatos de Odessa e a guerra no Donbass. Cego face ao ódio irracional e racista contra os russos (paradoxal, dada a grande afinidade entre os dois povos, mas a racionalidade nunca foi característica do fascismo).

A guerra é alimentada com o envio de toneladas de armas e rios de dinheiro (que não existe para as despesas sociais). É pretexto para sanções que estão a destruir as economias europeias. É usada para justificar a inqualificável atitude do «Ocidente» na Assembleia Geral da ONU, no passado dia 4 de Novembro, ao votar contra a moção de «Combate à glorificação do Nazismo». A moção, apresentada desde há anos por iniciativa da Rússia, foi aprovada por larga maioria, com 105 votos a favor. Mas EUA, países da UE e Ucrânia votaram contra. Invocaram como desculpa a intervenção militar russa na Ucrânia. Mas já no ano passado, antes dessa intervenção, EUA e Ucrânia haviam votado contra e a generalidade dos países da UE se havia abstido. Assim se vai branqueando, e alimentando, o fascismo.

O filo-fascismo de largos sectores da burguesia liberal não é novidade. Foi assim nos anos 20 e 30 do século passado quando, face à sua grande crise, a generalidade das classes dirigentes europeias alimentou o «salvador» nazi-fascista. As consequências trágicas são conhecidas. Face à sua grande crise de hoje, assistimos de novo ao alimentar da serpente, que vai saindo do ovo.




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