Mulheres do MDM debatem, organizam e constroem um futuro mais justo
«A força das mulheres em Movimento por direitos, igualdade, justiça e paz» foi o lema que orientou a preparação e realização do XI Congresso do Movimento Democrático de Mulheres, que teve lugar no dia 29, em Lisboa.
As resoluções do Congresso vão encontrar continuidade nos próximos quatro anos
«Unidas levaremos longe a voz/ Cantando por uma razão mais forte/ Contigo somos mais, junta-te a nós/ Na luta a abraçar o Sul e o Norte» – este é o refrão do hino do Movimento Democrático de Mulheres (MDM) que, cantado a uma só voz, encerrou os trabalhos. Foi, aliás, precisamente esse o compromisso que cerca de 500 mulheres de todo o País assumiram no seu congresso: o de levar por diante a luta por direitos, igualdade e justiça em todas as esferas da vida, pela paz e solidariedade e por uma resposta concreta a todos os problemas que afectam o seu dia-a-dia.
Em quase meia centena de intervenções ali proferidas chegaram relatos de todo o género de obstáculos e adversidades com que as mulheres se confrontam nas múltiplas dimensões das suas vidas e denúncias de muitas das injustiças, desigualdades, discriminações e violências que persistem e se agravam. No entanto, não foram abordados apenas problemas: valorizou-se também os aspectos positivos, como a criação de novos núcleos do MDM, o desenvolvimento de novas iniciativas, o aprofundamento e a intensificação da actividade em diferentes localidades ou os diversos avanços garantidos pela luta organizada das mulheres.
A força de se estar organizada
De Braga, por exemplo, chegou o relato sobre a actividade das mulheres que demonstraram que «mulher organizada» é «mulher libertada» e que através desta organização é possível vencer. Quando, no ano passado, a Segurança Social de Braga decidiu que bebés que frequentavam amas deveriam levar marmita de casa, as mulheres «insurgiram-se, juntaram-se, manifestaram-se, pintaram cartazes, convocaram a comunicação social e gritaram “Bebés sem marmita”. A medida foi revogada no próprio dia em que entraria em vigor e «não houve mais marmitas para os bebés». Este foi apenas um dos relatos das muitas vitórias que se deu conta durante o congresso.
Já do Alto Minho, entre outras, veio Ana, cujo primeiro contacto com o MDM foi no dia 5 de Março deste ano, quando dezenas de mulheres desceram até ao Porto para participar na Manifestação Nacional de Mulheres. O resultado foi a criação de um novo núcleo do Movimento Democrático de Mulheres em Viana do Castelo.
O que fez Ana e tantas outras juntarem-se ao MDM e darem continuidade ao seu património histórico de luta? Foi a visão de mulheres que entram de madrugada nas fábricas do distrito em troca de «míseros salários»; das que assumem o papel de cuidadoras informais; de jovens que estudam para, eventualmente, receberem menos do que os colegas de trabalho homens; das que sofrem de violência doméstica ou, até mesmo, do traje minhoto, alterado e utilizado pelo Estado Novo como arma propagandística, e que, apesar de ser símbolo nacional das minhotas, simboliza também a opressão sistemática de que estas foram vítimas.
Do distrito de Leiria, e mais precisamente do concelho do Bombarral, chegou ainda outro relato, que dá conta do incremento da acção do MDM durante o período da epidemia.
Do resto do País chegaram muitas outras narrativas reais do que foi a actividade das mulheres durante os últimos quatro anos
A elas tudo diz respeito
As congressistas abordaram ao longo do dia tudo o que lhes diz respeito. E como a discussão provou, não há temática que não diga respeito à mulher, portanto, foi pouco o que fugiu do seu raio de atenção, análise e proposta: saúde, habitação, cultura, educação, investigação e ciência, agricultura, habitação, militarização, guerra e paz, prostituição e mercantilização do corpo da mulher, entre muitas outras, foram questões que marcaram de forma assinalável o congresso.
Sobre a habitação, chegou um relato sobre o mercado imobiliário de Lisboa. Salientou-se o acesso à habitação como uma realidade determinante para a emancipação e autonomia das mulheres. Reflectiu-se sobre o aumento de mais de 50 por cento nas rendas das casas em Lisboa e o seu impacto na vida das jovens mulheres trabalhadoras e estudantes deslocadas. Falou-se sobre dimensão desfasada dos programas de apoio ao arrendamento ou de habitação pública e não se deixou de fora as repercussões da gentrificação na vida das mulheres idosas e mulheres portadoras de deficiência.
Durante a discussão, notou-se em várias ocasiões que o conhecimento e a formação académica, apesar de ser uma alavanca essencial para a emancipação das mulheres, não têm sido suficientes para assegurar os direitos e a igualdade. As mulheres que se dedicam à investigação defrontam-se com a precariedade laboral. Formação, graus académicos, carreira de investigação não se têm traduzido em contratos de trabalho com direitos compatíveis com as funções desempenhadas.
De Beja chegaram preocupações com uma região em transformação profunda, que teima em devolver a sua população, e em particular as mulheres, ao passado de exploração e pobreza. Os terrenos que voltam a concentrar-se em cada vez menos mãos, a seca e a monocultura afectam quem lá vive. Particular atenção mereceram as trabalhadoras imigrantes, que fugindo à guerra e à fome, sujeitam-se a condições de violenta exploração e enfrentam a possibilidade de cair nas redes de exploração sexual.
Sobre a saúde, falou-se por exemplo do encerramento de maternidades. Do caso de duas delas, em Coimbra, partiu-se para a situação nacional. Nas maternidades Daniel de Matos, a funcionar nas mesmas instalações desde 1974, e Bissaya Barreto, num edifício de 1963, 20 por cento dos partos ocorrem com complicações. Para além das mulheres grávidas que enfrentam dificuldades por viverem longe de centros urbanos, anotou-se que o Governo, continuando com uma estratégia de concentração de serviços, pouco ou nada faz para resolver situações como as que ali foram relatadas.
Já sobre a cultura, celebrou-se o papel fundamental das mulheres neste sector, defendeu-se a necessidade de assegurar o seu direito à fruição e produção cultural e deu-se ainda nota de todo o contributo dado pelo MDM nesta área.
À semelhança da Proposta de Resolução (ver caixa), foi também na terceira e última sessão do congresso que os novos órgãos directivos foram eleitos. Segundo o relatório da Comissão Eleitoral, as propostas de composição do Conselho Nacional e Conselho Fiscal foram elaboradas a partir de um longo e complexo processo de auscultação aos, até então, membros dos órgãos directivos.
O Conselho Nacional eleito é agora composto por 116 mulheres oriundas de 17 dos 18 distritos continentais e das duas regiões autónomas. 54 conselheiras deixaram de fazer parte do órgão, sendo que três destas transitaram para o Conselho Fiscal. 44 por cento dos membros foram propostas pela primeira vez. A idade média do Conselho Nacional é de 50 anos e se forem apenas consideradas as novas entradas, a média baixa para 19.
Na apresentação do relatório da Comissão Eleitoral foram ainda homenageadas e reconhecidas todas as conselheiras que deixam que integrar o Conselho Nacional. Entre elas foi sublinhado o contributo particular de Fernanda Lapa, falecida a 6 de Agosto de 2020, e de Odete Santos.
Cultura e animação
O congresso do MDM foi pontuado por momentos culturais. A seguir à pausa para almoço, Sofia Lisboa presenteou o público com algumas canções, entre elas uma versão musicada do poema O Futuro,de Ary dos Santos, e Balada da Rita, de Sérgio Godinho.
No final dos trabalhos, a professora de dança Vânia Carvalho ofereceu um momento de dança cigana.
Num espaço lateral do Fórum Lisboa, local onde se realizou o congresso, estiveram patentes três elementos expositivos: uma cerâmica oferecida por Jacira da Conceição; uma exposição alusiva ao Centenário do Nascimento de José Saramago, à sua escrita e à dimensão de reconhecimento social da mulher na sua obra; uma outra exposição alusiva ao projecto Na Quinta da Princesa, as Mulheres Contam.
Resolução com as análises e propostas que se impõem
Um longo processo de preparação antecedeu o XI Congresso do MDM. Uma proposta de Resolução, apresentada à deliberação de todas as congressistas, foi construída através de inúmeros contributos das aderentes. Através dessa construção colectiva, foi possível verter neste documento as análises e propostas necessárias para responder aos problemas e direitos das mulheres e dar mais força à sua luta organizada.
A estrutura do documento assenta em três capítulos. Um primeiro que aborda a situação das mulheres no plano internacional e nas lutas que continuam a mobilizar milhares de mulheres – contra a violência, pela descriminalização do aborto, contra a pobreza, a fome e a guerra. O segundo foca-se nas várias dimensões da luta pela igualdade, inseparáveis da justiça social, da melhoria das condições de vida, do cumprimento e do exercício de direitos. O terceiro sublinha a importância do reforço do MDM, da sua organização e da sua ligação à vida e questões locais.
A Proposta de Resolução, aprovada por unanimidade no final do congresso, orientará a acção e intervenção do MDM durante os próximos quatro anos.
Solidariedade
O XI Congresso do MDM teve uma forte expressão de solidariedade internacional. Não só estiveram presentes delegações internacionais (como a União Nacional de Mulheres Saarauís, a Organização de Mulheres de Angola, a Organização de Mulheres de Moçambique, o Movimiento Democrático de Mujeres de Espanha e a Associação cabo-verdiana de luta contra a violência baseada no género), como foram enviadas saudações às mulheres de todo o mundo.
Uma moção, intitulada A luta contra a crescente militarização e pela Paz, foi aprovada por unanimidade. Nela as congressistas do MDM afirmam que o militarismo não serve as mulheres e a sua emancipação e exigem o fim das políticas belicistas, a corrida armamentista, das sanções e dos bloqueios; o cessar-fogo da guerra da Ucrânia; o respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e da Acta Final da Conferência de Helsínquia; a urgente dissolução da NATO, o fim dar armas nucleares; e o respeito pela Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no que diz respeito ao seu artigo 7.º.
Na sequência de uma intervenção de Sultana Khaya, activista dos direitos humanos saarauí, e de um brutal relato da realidade a que são sujeitas as mulheres o Saara Ocidental, foi apresentada a moção Pelo imediato cumprimento do direito do povo saarauí à autodeterminação. Nesta, o XI Congresso do MDM exigiu: o imediato cumprimento do povo saarauí à autodeterminação em observância de várias resoluções da ONU; uma clara posição do governo português a favor do direito do povo saarauí; o respeito das mulheres, crianças e do povo saarauí a uma vida digna; o fim da ocupação ilegal e da repressão marroquina; entre outras questões.
Datas a celebrar em luta
Entre alguns dos apelos lançados pelas congressistas, está o de celebração dos 50 anos do 25 de Abril. O MDM exorta a que se mantenha vivos os valores de Abril entre as mulheres, designadamente nas mais novas gerações; que as mulheres portuguesas continuam a tomar nas suas mãos a exigência do cumprimentos de políticas justas e não discriminatórias e pela igualdade na lei e na vida; e que as dirigentes, activistas e aderentes do MDM assumam como sua a celebração dos 50 anos do 25 de Abril.
Sobre o 25 de Novembro, Dia Internacional pela Eliminação das Violências contra as Mulheres, as congressistas do MDM apelaram a que as aderentes, activistas e dirigentes dessem a conhecer, nas ruas de cada terra, em cada concelho, a multiplicidade de expressões de violência sobre as mulheres.
O congresso apelou a ainda que o dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, suscitasse uma acção variada e iniciativas diversificadas, fazendo confluir e mobilizar a participação popular para as Manifestações Nacionais de Mulheres no Porto, a 4 de Março de 2023, e em Lisboa, a 11 de Março de 2023.