Contas certas, opções erradas

Vasco Cardoso (Membro da Comissão Política)

A escalada de uma inflacção que nos chegaram a dizer que seria temporária prossegue e ao que tudo indica continuará no próximo ano. Uma inflacção que se desenvolve e amplifica a partir de uma base especulativa que, ao mesmo tempo que devora os salários e as pensões da larga maioria, acumula lucros e privilégios nas mãos de uns poucos.

O Governo opta pela submissão à UE e a cedência ao grande capital

A rápida degradação do poder de compra e a subida vertiginosa dos preços são elementos de enorme impacto social e económico que se acrescentam de forma negativa a uma realidade profundamente marcada pelas consequências de décadas de política de direita. Problemas novos e de grande impacto que se somam a velhos e estruturais estrangulamentos e défices a que a política de direita condenou o País.

Uma situação da qual o grande capital procura tirar o máximo partido, com o seu costumeiro aproveitamento, que já tínhamos visto com grande nitidez durante a epidemia e que surge novamente agora, atirando para cima da guerra a responsabilidade pelo empobrecimento e pela exploração que se agrava em larga escala. Com um exército de comentadores ao seu serviço, todos os dias assistimos na comunicação social à exigência de contenção salarial para evitar a «espiral inflacionista» ou a contenção nas pensões em nome da «sustentabilidade da Segurança Social», à reivindicação de menos impostos para «as empresas» para atrair investimento, ao clamor por mais «apoios» para os grupos económicos, sejam fiscais sejam fundos comunitários, à intensificação da campanha por novas privatizações e PPP para libertar o País do peso do Estado, à contenção nos serviços e no investimento público em nome das chamadas contas certas.

É este o caderno de encargos que o grande capital apresenta e é este o caminho que o Governo PS está a seguir, agora de forma bem mais solta e comprometida.

Foi o que ficou claro com a apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2023, construída de forma articulada com o chamado Acordo de Rendimentos. Os sonoros aplausos do grande capital a estas opções do Governo e a não menos sonora demagogia com que PSD, CDS, Chega e IL procuram disfarçar a sua identificação com as opções de classe contidos neste rumo, são demonstrativos do caminho que está a ser imposto, incluindo pela UE, ao povo português e dos perigos que se colocam.

Havia e há alternativa

Quando era necessário e possível aumentar salários e pensões, recuperando poder de compra perdido, regular preços e impedir a especulação, reforçar os serviços públicos atraindo e fixando profissionais, assegurar justiça fiscal, dinamizar o investimento público e o crescimento económico, o Governo opta pela submissão às imposições da UE e do euro e pela cedência aos interesses do grande capital.

O Governo substitui a resposta aos problemas do País pela submissão aos critérios do euro com a redução acelerada do défice e da dívida, estratégia que se aprofunda e em linha com que anteriores governos do PSD/CDS fizeram. Poder-se-ia dizer que a redução da dívida e o equilíbrio orçamental poderiam ser alcançados por medidas de estímulo ao consumo interno, pelo incremento do investimento público, pelo aproveitamento das margens existentes (dentro das discutíveis regras do euro), pela aposta na produção nacional, pela redução da dependência externa.

Mas não é esse o caminho que está a ser seguido. A redução da dívida e do défice faz-se por conta da redução do valor real dos salários e das pensões, pela desvalorização dos serviços e do investimento público, pelo agravamento das injustiças, pelo empobrecimento e condicionamento do futuro.

Passaram oito meses desde as eleições que, na base de uma operação de mentira e chantagem, deram a maioria absoluta ao PS. Os dois orçamentos que foram entretanto apresentados, sobretudo este que agora está em discussão, confirmam que o PS por sua vontade nunca teria adoptado medidas que teve de adoptar perante a luta e a correlação de forças que emergiu em 2015.

Um Orçamento e uma política que merecem a oposição e a proposta do PCP, mas também o combate e a luta que terá de ser mais intensa e ampla, como aliás se confirmou nas grandes manifestações que tiveram lugar no no último sábado e com as lutas que se projectam já para as próximas semanas.




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