Comprometam-se!
A entrevista do presidente da Confederação do Comércio Português à Antena 1, no passado domingo é, em tudo, reveladora da natureza do grande patronato em Portugal.
Sentados à mesa da concertação social ou nas negociações de bastidores, apresentam-se, permanentemente, de mão estendida pedindo apoios e mais apoios, cortes, descontos e benefícios, como contrapartida para fazerem aquilo que é sua obrigação mais singela, pagar aos seus trabalhadores salários dignos pelo trabalho que estes lhes prestam.
Na citada entrevista, o líder dos comerciantes, a propósito do chamado «Acordo de Rendimentos», em discussão na Concertação Social, disse que não se podia comprometer com a sua aprovação, uma vez que o Governo não dava garantias de redução dos impostos, para compensar os aumentos dos salários. Seja no IRC, seja nas tributações autónomas, seja na TSU, o que é importante é aliviar.
E sem compromissos claros e quantificados por parte do Governo, ficou-se a perceber, não há negócio.
Já quando questionado sobre se, no caso de o Governo se aproximar dos seus objectivos, os patrões se podem comprometer com o aumento dos salários, em 4,8%, foi lesto em dizer que isso não era possível porque quem manda são as associações e que isso decorre da contratação colectiva.
Não sendo novidade, e não merecendo, portanto, preocupação de maior, tal exercício de cinismo político, de quem exige a outros compromissos que não quer assumir, merece três comentários.
O primeiro para dizer que o que preocupa é o que fará o Governo, quase podendo nós apostar, dobrado contra singelo, que lá encontrará maneira de ir ao encontro deste autêntico ultimato patronal.
O segundo é que quando se refere o valor de 4,8% para o aumento de salários, isso já implica uma perda de poder de compra brutal, num quadro de uma inflação que já vai nos 8%, e que nem isso o patronato quer admitir.
O terceiro para denunciar o que tal posicionamento representa de pressão ideológica visando condicionar o direito dos trabalhadores a serem pagos pelo seu trabalho, pelo esforço do suor do seu rosto e pela riqueza que produzem, aos subsídios que o Estado possa dar às empresas, com dinheiro que, no essencial, advém dos impostos pagos, exactamente, por quem trabalha.