A preparação
Há muitos cursos de preparação: para o parto, para exames, para admissões a carreiras diversas.
António Costa Silva, ministro da Economia que se arrisca a ficar na memória sobretudo pelas piadas involuntárias, detectou outra necessidade: cursos de preparação para empresas com lucros excessivos.
Disse o ministro em entrevista recente: «as empresas não estão preparadas para a taxa sobre lucros excessivos.» E acrescenta: «nós temos que ter muito cuidado com aquilo que fazemos na mecânica e na relojoaria da economia porque, se mexermos excessivamente, de um lado arriscamos amanhã termos operadores em colapso e do outro lado os consumidores sem serem abastecidos.»
Claro que na «mecânica e na relojoaria da economia» dos trabalhadores e das pequenas empresas se pode mexer à vontade, porque têm imensa preparação, resiliência, criatividade, adaptabilidade e outras virtudes que os gestores dos grandes grupos económicos gabam mas pelos vistos não têm. Todos nos lembramos do banqueiro Ulrich nos anos do pacto de agressão que à pergunta sobre se o País aguentava mais austeridade respondeu «ai aguenta, aguenta».
O ponto de partida de Ulrich e de Costa Silva é o mesmo: os trabalhadores, os reformados, as pequenas empresas estão preparados e aguentam o que vier, porque estão habituados. Os pobres vivem com pouco, como se sabe. Já as grandes empresas coitaditas, precisam de protecção e estímulo, mesmo que tenham os tais lucros excessivos. O melhor é não as contrariar demasiado porque das duas, uma: ou colapsam, ou deixam de abastecer os consumidores. E sendo assim mais vale deixar estar como está.
Já se viu este filme muita vez. Os lucros destas empresas são construídos pelo aumento da exploração e pela especulação. Bem pode o ministro referir-se a eles como resultado de uma «mecânica e relojoaria», que já são muitos os que perceberam que é nestes lucros que está o salário que não sobe, a pensão que afinal fica a meio, a fruta que não se compra, a ventoinha ou o aquecedor que não se ligam, a renda ou a prestação que se atrasam, o passeio com os miúdos que fica para melhores dias. E são cada vez mais o que se indignam, protestam e lutam.