A mentira que cheira a esturro
Há frases que trazem agarrado a si o selo da falsidade, da bacoca tentativa de golpe de asa mais a pensar no efeito que projectam do que nas consequências práticas que produzem. E há quem se especialize nessa arte, transformando a desgraça e a falta de respostas num irresistível impulso para a conversa de chacha.
O fogo que lavrou durante 11 dias na Serra da Estrela e que devastou cerca de 25 mil hectares do Parque Natural levou a ministra Vieira da Silva a dizer que depois deste incêndio «o Parque Natural vai ficar melhor do que estava». Não se sabe se a ministra tem a exacta noção, não apenas do ridículo, mas da completa falta de credibilidade do que avançou. Mas a pulsão demagógica, sobretudo em momentos de aperto, é tanta, que se torna irresistível para governos que sabem não ter, nem as respostas, nem a vontade política para fazer o que se impõe.
Diga-se, no entanto, que Mariana Vieira da Silva não inventou nenhuma figura de estilo que transforma cada desgraça em «oportunidades». Limitou-se a seguir o exemplo de outros. A epidemia foi uma «oportunidade» para o combate às alterações climáticas, segundo o actual ministro da Economia; a guerra e as sanções são uma «oportunidade» para o turismo português, diz o Presidente da República; o desemprego é uma «oportunidade» para mudar de vida, clamam os ideólogos do capital.
Mas voltemos aos incêndios, que foram e estão a ser muitos, e à devastação que atingiu a Serra da Estrela. O que a experiência de décadas de política de direita nos diz é que nem os prejuízos serão reparados na sua totalidade – veja-se as vítimas de outros incêndios que ainda esperam respostas – nem as causas estruturais deste e de outros fogos serão combatidas, apesar das muitas promessas que se fazem ano após ano. Não se trata de um vaticínio vão, mas de uma constatação que decorre da experiência.
Com a política de direita, serão os critérios associados à submissão ao euro e à UE que determinarão o grau dos apoios e do investimento que será feito nos territórios atingidos, tal como serão os interesses do capital que continuarão a determinar o fundamental da organização do território, da floresta, da actividade económica, do mundo rural. Não, a Serra da Estrela não vai ficar melhor depois deste incêndio e quem o diz sabe que está a mentir.