Lisboa, praça financeira do mar
Numa entrevista ao DN há cerca de um mês, recheada de promessas de milhões e de palavras em inglês para impressionar os simples – players, greenshipping, task-force, hubs azuis, cluster do mar, start up –, António Costa e Silva, ministro da Economia e do Mar, usou a expressão que deve ter encantado os colegas do Governo: «queria ver se conseguíamos transformar Lisboa numa espécie de praça financeira para a economia do mar.»
Se foi um momento de liberdade poética ou se a frase vinha ensaiada por alguma agência de comunicação, não sabemos. Embora, na realidade, não seja assim tão relevante a sua origem. O que interessa é que o ministro dos Negócios Estrangeiros se encarregou de elevar a frase a desígnio nacional no quadro da Cimeira dos Oceanos: quais objectivos ambientais qual carapuça, o que interessa é fazer de Lisboa uma «praça financeira do mar».
«Repare que na Conferência dos Oceanos de 2017, a primeira que houve em Nova Iorque, foram cerca de 100 empresas, mas a Lisboa vêm 900 empresas, mais de 4000 empresários. Alguns são dos grandes fundos internacionais, dos grandes bancos e querem investir na economia do mar, na bioeconomia», exultava Costa e Silva ainda em Junho, na tal inspirada entrevista. Parece que no fim de contas vieram menos de metade dos empresários prometidos, mas os números da Cimeira dos Oceanos não deixam de impressionar: mais de 7 mil pessoas de mais de 140 países, além de cerca de três centenas de «eventos satélite».
Expressões como «Transição Verde», «Transição Azul», «Economia Azul, Sustentável e Inclusiva, assente no Capital Natural Azul», juras de amor à ciência, à tecnologia, ao clima e à natureza, houve de tudo e com fartura durante e nas conclusões da Cimeira.
Mas não se deixem enganar os mais incautos: apesar da terminologia, a análise das causas e as soluções propostas para a problemática dos oceanos estão marcadas pelo neoliberalismo e pelo objectivo de mercantilização da Natureza. A expressão «praça financeira do mar» é afinal uma magnífica síntese, que quase apetece agradecer, pelo trabalho que poupa na desmontagem da hipocrisia.