Contradições e saltos em frente na Conferência sobre o Futuro da Europa
No dia em que terminava a Conferência sobre o futuro da Europa, o PCP reafirmou a sua oposição ao rumo federalista, militarista e neoliberal da União Europeia, ali evidenciado, e a premência de lutar por uma Europa dos trabalhadores e dos povos.
A Conferência reflectiu as prioridades de quem manda na UE
«O futuro da Europa, a resposta aos legítimos anseios e aspirações dos seus povos, não está nos caminhos que os promotores desta Conferência querem traçar e impor de aprofundamento neoliberal, federalista e militarista da UE», garantem os deputados do PCP no Parlamento Europeu, numa nota emitida no dia 9. A Europa dos trabalhadores e dos povos, que o PCP defende, «exige um caminho de efectiva cooperação, baseado na soberania e independência dos Estados e na sua igualdade em direitos, na democracia, no progresso social e na paz».
Quanto à Conferência e às propostas nela apresentadas, o PCP afirma que «não colocam em causa, antes reflectem», o conjunto de políticas que, não sem resistências e contradições, a UE «há muito vem aprofundando e procurando impor». Lembrando que as propostas (ver caixa) não foram ali sujeitas a votação, garante ainda que elas «procuram animar um novo salto no aprofundamento do processo de integração capitalista europeu». Aliás, tudo ali decorreu de modo a garantir que nada se distanciaria de objectivos e prioridades definidos pelos interesses e forças que estão «no cerne desta UE neoliberal, federalista e militarista».
Para os deputados comunistas, o apelo feito a uma nova Convenção Europeia «visa repetir, em traços gerais, o que se verificou com a Convenção sobre o Futuro da Europa (2002), iniciativa que tentou impor uma dita Constituição Europeia», que acabou rejeitada em vários referendos.
Federalismo, neoliberalismo, militarismo
O PCP analisou as principais propostas emanadas da dita Conferência, considerando que elas procuram promover o «aprofundamento de políticas que, sendo parte do problema, não poderão ser parte da solução». E dá exemplos:
- - Uma ainda maior concentração e centralização de poder nas instituições da UE, sob o domínio das principais potências e dos grandes interesses económicos;
- - O reforço e alargamento do alcance dos instrumentos e mecanismos de controlo e de condicionamento da acção de Estados, como é o caso do Semestre Europeu, colocando ainda mais em causa competências soberanas de países, como Portugal, seja da política externa – onde se chega ao cúmulo de se defender a limitação das relações bilaterais entre os Estados-membros da UE e outros países terceiros, impondo uma só política externa que vincule obrigatoriamente Estados-membros –, às políticas económicas, sociais, ambientais, de educação e de saúde, entre outras;
- - O fim da unanimidade no Conselho, na generalidade das decisões em que ela hoje é requerida, designadamente em domínios que atingem o âmago da soberania dos Estados, como a fiscalidade e a política externa ou ainda as questões de defesa. Sublinhe-se que a regra da unanimidade coloca em pé de igualdade no processo de decisão todos os Estados-Membros, sendo garantia de que nenhuma decisão será imposta contra os interesses de um Estado ou grupo de Estados e, por essa razão, uma importante garantia de defesa dos interesses dos países com menor peso no actual processo de decisão;
- - Uma ainda maior subordinação de áreas fundamentais da vida social, incluindo de direitos e dos serviços públicos que os devem garantir, à lógica da liberalização do mercado, ou seja, aos interesses dos grupos económicos e financeiros.
O caso da saúde é paradigmático: sob a dita «União Europeia da Saúde» escondem-se os grandes interesses económicos privados que pretendem abocanhar este serviço público, à custa da destruição, no caso de Portugal, do Serviço Nacional de Saúde, com as características com que este está actualmente consagrado na Constituição da República Portuguesa – geral, universal e tendencialmente gratuito. É sintomático que se admita, à partida, o princípio do pagamento pelo utente dos cuidados de saúde, se defenda a intromissão da UE numa área que é da competência exclusiva dos Estados e se pretenda que passe a ser uma competência partilhada. Fazer negócio com a saúde (ou a doença) é o objectivo, entregar competências à UE é o meio para mais facilmente o alcançar;
- - Um ataque à soberania e à democracia, consubstanciado em propostas institucionais que, sob o cínico pretexto de aproximar eleitores de eleitos, o que visam é precisamente o contrário, como: aprofundar o processo de esvaziamento dos centros de decisão nacionais, mais próximos dos cidadãos e que estes mais directamente controlam, para concentrar mais poder nas instituições da UE, controladas pelas principais potências e dominadas pelos interesses dos seus grandes grupos económicos e financeiros; a criação de listas transnacionais nas eleições para o Parlamento Europeu (PE), uma criação artificial, sem correspondência com a realidade na Europa, contrária a um projecto de cooperação entre Estados soberanos e iguais em direitos; a atribuição de mais poderes ao PE, num quadro de usurpação de competências dos Estados, o que significaria um maior esvaziamento dos parlamentos e demais instituições de soberania nacionais; o chamado direito de iniciativa legislativa do PE, o que reforçaria o peso no processo de decisão das grandes potências da UE e da imposição dos seus interesses;
- - O aprofundamento da militarização da UE, em grande medida já configurado na chamada Bússola Estratégica, com a admissão de novos e gravosos passos, como o da criação de forças armadas conjuntas prontas a intervir em qualquer parte do mundo onde as potências da UE entendam estar em causa os seus interesses, em articulação com a NATO, sem deixar de apontar à denominada autonomia estratégica da UE; o incremento de uma política externa de cariz intervencionista, assente na ingerência e no conflito, com o reforço da capacidade de sancionar países, governos, indivíduos e entidades externas, no mundo;
- - A acentuação de uma abordagem mercantil aos problemas ambientais, que procura manipular e instrumentalizar problemas reais e as preocupações que justificadamente estes suscitam para alargar o campo de acumulação capitalista – é disso exemplo o gigantesco negócio do comércio de licenças de emissão de gases de efeito de estufa, cuja ineficácia e perversidade no combate às alterações climáticas estão demonstradas.