Linha vermelha
A nova estrela das graves ameaças à ordem do mundo ocidental é uma monarquia constitucional com uma assembleia legislativa, num arquipélago que foi um protetorado britânico até 1978 e com uma população que há dois anos não ia além dos 686 878.
Para quem não gosta de charadas, esclareça-se desde já que se trata das Ilhas Salomão, microscópico país da Oceania (uma área de 28 450 km2) situado no Sudoeste do oceano Pacífico, vizinho da Austrália, que por estes dias de Abril teve a ousadia de assinar um acordo em matéria de segurança com a China.
«Controverso», «polémico», «pode afectar a segurança de toda a região», está a provocar uma «onda de choque», foram algumas das expressões utilizadas na imprensa, Portugal incluído, para dar conta de que os sinos tocam a rebate nos centros de decisão do imperialismo norte-americano e afins.
Na sexta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros japonês, Yoshimasa Hayashi, dizia acreditar que a segurança da região da Ásia-Pacífico pode estar ameaçada, pelo que o Japão acompanha «com preocupação» o desenvolvimento da situação. No domingo, era a vez de o primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, alertar para o facto de que a eventual construção de uma base militar pela China nas Ilhas Salomão seria uma «linha vermelha» para vários países da região e também para os EUA.
Recorde-se, a propósito, que a Austrália é, juntamente com os EUA e o Reino Unido, um dos subscritores do AUKUS, a aliança político-militar que visa, entre outras coisas, dotar a Austrália de armas nucleares para fazer face à China, agora considerada como uma «ameaça sistémica» à hegemonia americana.
Mais directos ainda, os EUA enviaram uma delegação de alto nível às Salomão com uma mensagem clara, conforme um comunicado da presidência norte-americana: se o governo daquele país autorizar Pequim a «estabelecer uma presença militar, de facto», isso levantará «sérias preocupações» aos EUA, que «retaliarão em consequência».
O aviso – ameaça? – especifica que o direito de retaliar também se aplica no caso da fixação de qualquer «instalação militar» ou «capacidade de projecção de força» que permita uma implantação chinesa na região, e enfatiza que os EUA vão «acompanhar de perto os desenvolvimentos em consulta com os seus parceiros regionais».
Não vá alguém confundir Biden com Putin, a Casa Branca garante «respeitar o direito» das Ilhas Salomão de tomar as suas «decisões soberanas».
A avaliar pela ausência de comentários críticos, parece que toda a gente bem (in)formada considera legítimas as preocupações de Washington com este potencial perigo a... 11 895 km de distância. Qualquer semelhança com as alegações de Moscovo, com a NATO à porta, são, naturalmente, pura coincidência.