Debate do Programa do Governo na Assembleia da República

Opções do PS comprovam recusa de resposta aos problemas nacionais

Concluído que foi o debate no Parlamento sobre o Programa do Governo, cumpridas estão as formalidades para que o Executivo PS inicie funções. Das suas linhas gerais e do que se apurou da discussão, nada permite concluir que este Programa seja o que o País precisa.

O povo e o País precisam de uma política alternativa

Uma ideia central importa, aliás, desde já reter a partir quer das intervenções dos membros do Governo quer dos deputados da maioria absoluta que o suporta: os grandes problemas nacionais, nomeadamente os que atingem os trabalhadores e o povo, não encontram resposta nas opções do PS vertidas no documento.

«O Programa do Governo que agora discutimos não corresponde a essa política que é necessária e confirma a recusa do PS em adoptá-la», sublinhou o «Secretário-geral do PCP logo na fase inicial do debate, ao interpelar o primeiro-ministro, a quem transmitiu que essa recusa de resposta é particularmente evidente no que se refere aos problemas dos trabalhadores e do povo, bem como aos que comprometem o desenvolvimento do País.

Estava dado o mote para a leitura crítica que a bancada comunista através dos seus deputados desenvolveu nas várias intervenções que proferiu nos dois dias de debate, findo sexta-feira passada, 8.

Foi a identificação desses problemas que os parlamentares do PCP trataram de expor com detalhe, confrontando com cada um deles o chefe do Governo e restantes membros da sua equipa, sem simultaneamente deixarem de apontar com minúcia os elementos constituintes da política alternativa de que o País carece.

Problemas estruturais

Problemas que são estruturais, na sua grande maioria, e que o Governo se nega a reconhecer, como observou Jerónimo de Sousa, e o próprio debate voltou amplamente a comprovar. Com efeito, das respostas dos responsáveis pelas diferentes pastas às questões colocadas pelos deputados do PCP avultou a recusa em reconhecer essa existência de problemas estruturais. Como o dos baixos salários e pensões, ou a inexistência de uma efectiva aposta na produção nacional, na agricultura, nas pescas e na indústria, «uma política que ponha ao serviço dos desenvolvimento nacional empresas e sectores estratégicos, nomeadamente a energia».

«Não é aceitável que a produção de trigo no nosso País responda apenas a quatorze dias de consumo. É imperativo executar uma política de soberania alimentar em produtos essenciais», referiu o líder comunista, dando assim um exemplo concreto das nossas fragilidades e dependências do exterior.

Travar a especulação

Do mesmo modo que precisamos de uma política que «alivie os impostos sobre o povo e tribute de forma efectiva os grupos económicos, que combata a fraude, a evasão e a especulação», afirmou ainda Jerónimo de Sousa, antes de pôr o acento tónico numa outra necessidade, esta com carácter «imediato»: a de travar o aumento do custo de vida.

E a este propósito, depois de realçar que a especulação sobre a alimentação, os combustíveis e outros produtos «traz de volta o corte real dos salários e das pensões e faz com que os lucros de uma pequena minoria não parem de aumentar», foi peremptório na afirmação de que «alguém está a ganhar com isto e não são os trabalhadores, os reformados, os pequenos e médios empresários, são os grupos económicos que estão a fazer da guerra e das sanções o pretexto para acumular lucros».

E não é um paliativo como a «isenção do IVA nas rações e fertilizantes», medida anunciada por António Costa, que resolvem esta grave situação. E por isso o aumento geral dos salários, de todos os salários, a assumpção de compromissos concretos com o aumento do SMN para 850 euros, a defesa da contratação colectiva e o combate à precariedade, aos despedimentos, aos horários de trabalho desregulados, maior justiça na distribuição da riqueza foram exigências que se fizeram ouvir da parte dos deputados do PCP. Tal como foi também a exigência de um aumento extraordinário das pensões que pelo menos reponha o poder de compra que está a ser perdido pela subida da inflação.

Os mesmos de sempre a pagar

Não deixou entretanto de ser sintomático que o primeiro-ministro, perante a exigência de resposta à subida galopante do custo de vida que reduz o poder de compra, tenha considerado que a solução não passa pelo aumento dos salário e das pensões, alegando que isso agravaria a inflação, o que na leitura de Jerónimo de Sousa – frisou-o na sua intervenção final – é sinónimo de que aquele «está a dizer que serão os trabalhadores e os reformados a pagar a crise com as suas condições de vida».

Como não menos revelador das suas opções é o facto de o Governo considerar apenas medidas fiscais sobre a energia e os combustíveis, descartando qualquer medida de controlo e fixação dos preços, e com isso deixar intocáveis os lucros das petrolíferas.

Mas do debate não ficou apenas essa recusa do Governo em responder aos problemas e necessidades dos trabalhadores, do povo e do País. Esfumada, e num ápice, foi também a tão apregoada abertura propalada por responsáveis do PS após a obtenção da maioria absoluta. É disso testemunho a atitude assumida perante as cerca de três dezenas de soluções e compromissos concretos avançados pelo PCP para dar resolução a problemas nacionais. Nenhum mereceu qualquer perspectiva de acolhimento, nem sequer um dos mais urgentes como é a valorização de todos os salários, incluindo do SMN para os 850 euros, o que levou o secretário-geral comunista a concluir que foram «levadas pelo vento as vãs proclamações de abertura e disponibilidade para o diálogo e para a convergência» manifestadas pelo PS e pelo Governo.

Se do debate, em conclusão, não é possível esperar que das opções do PS haja resposta aos problemas nacionais, não é menos verdade que há uma política alternativa capaz de o fazer, assegurando o «desenvolvimento soberano e um futuro de progresso e justiça social» – e essa foi afirmada, com pormenor e convicção, pela bancada do PCP.

“O aumento geral dos salários, de todos os salários,
é uma emergência nacional
e exige compromissos concretos com o aumento do salário mínimo nacional
para 850 euros no curto prazo.” Jerónimo de Sousa

 

Por melhores salários e pensões

Se o aumento geral dos salário é uma emergência nacional, como de forma reiterada o PCP tem afirmado, não menos premente, do seu ponto de vista, é que seja assegurado um aumento extraordinário de todas as pensões. Só assim será possível repor o poder de compra perdido ao longo de anos e que a espiral de inflação em curso acentua, como assinalou no debate a deputada Diana Ferreira, lembrando que o «brutal aumento do custo de vida que está a ser imposto é também uma forma de cortar salários e pensões».

Confrontou por isso a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social não só com a necessidade desse aumento extraordinário de pensões para todos os pensionistas e reformados, mas também com duas outras exigências: o reconhecimento das longas carreiras contributivas, assegurando o direito à reforma com 40 anos de descontos, independentemente da idade; o fim do factor de sustentabilidade e das penalizações a quem foi empurrado para reformas antecipadas.

Passando ao lado destas duas últimas questões, a governante aludiu apenas ao aumento extraordinário de pensões para informar que se concretizará, com efeitos a partir de Janeiro, logo que o Orçamento do Estado seja aprovado. Recorde-se que esta foi uma medida, e o seu calendário, pela qual o PCP batalhou na legislatura anterior.

Muito aquém do necessário e possível, segundo o PCP, estão ainda as respostas do Governo em domínios como a protecção no desemprego, as prestações sociais, o abono de família e da Prestação Social para a Inclusão bem como do acesso à mesma.

“(…) o brutal aumento do custo de vida
que está a ser imposto
é também uma forma de cortar salários e pensões.” Diana Ferreira

 

É preciso reindustrializar o País

Colocada no centro do debate pela bancada comunista foi a importância vital de se avançar com a reindustrialização, «substituindo importações por produção nacional, aumentando o valor acrescentado nacional e a componente nacional das exportações».

Investir, designadamente, na produção nacional - como motor do crescimento económico e do pleno aproveitamento das capacidades e recursos nacionais - «de alimentos, medicamentos e meios de transporte», precisou o deputado Bruno Dias, fazendo porém notar que isso «não se faz premiando o desinvestimento e subsidiando o “bodo aos ricos” nas distribuições de dividendos dos grupos económicos, ao mesmo tempo que se restringe ainda mais a capacidade de investimento público». E é aqui que reside o busílis da questão. Apesar de o ministro da Economia e do Mar, António Costa e Silva, ter afirmado «concordar inteiramente» com a preocupação do deputado comunista sobre a indústria nacional, a verdade é que nada adiantou de concreto e limitou-se a expressar a intenção de «desenvolver as nossas exportações, sobretudo de bens e produtos de alto valor acrescentado». Ora, o que sabemos é que o Programa do Governo «não faz nenhuma referência à perspectiva de evolução do investimento público nos próximos quatro anos», constatou Bruno Dias, quando é certo que o crescimento do investimento deveria ser uma prioridade nas orientações da política económica. O que deixa antever que venhamos a continuar a assistir a baixíssimos níveis de orçamentação do investimento público.

“Há que avançar com a reindustrialização,
substituir importações por produção nacional,
aumentar o valor acrescentado nacional
e a componente nacional nas exportações.” Bruno Dias

 

Para que não falte a comida à mesa

O apoio à produção nacional, capaz de romper com a nossa dependência externa e assegurar o desenvolvimento nacional não é, infelizmente, uma realidade que esteja presente no Programa do Governo. Essa política continua ausente – e isso é particularmente visível na produção agro-alimentar, onde a situação de dependência e os constrangimentos são bem conhecidos, sem que se vislumbrem alterações. O quadro é de tal ordem que levou o deputado comunista João Dias a afirmar que «é preciso assegurar a comida na mesa dos portugueses, substituindo importações pela produção nacional».

O caso não é para menos face à difícil situação que se vive. Paradigmático, por exemplo, é o caso dos cereais: a «cada plano» para os produzir «a situação fica pior», alertou. O mesmo no sector do leite onde «há anos que os problemas se arrastam», sem esquecer os «preços baixíssimos» a que os agricultores – que sofrem os aumentos especulativos dos preços dos combustíveis, da electricidade, das rações, dos fertilizantes – são obrigados a vender os seus produtos, «enquanto a grande distribuição fica com a “fatia de leão” do que os consumidores pagam».

Foi essa inexistência de «condições de escoamento a preços justos para a produção agrícola e florestal» que o deputado do PCP denunciou no debate, insistindo na necessidade de um combate firme à especulação do preço dos factores de produção e em defesa dos rendimentos dos agricultores, bem como em defesa da pesca de pequena escala, artesanal e costeira, a braços também com a escalada dos preços dos combustíveis e, por isso, a precisar de urgente apoio.

(…) "impedem-nos de produzir os alimentos de que precisamos
para satisfazer as necessidades alimentares da população
e as opções do Governo não rompem esse caminho.” João Dias


Libertar o garrote que asfixia as MPME

Para a situação de fragilidade em que se encontram as micro, pequenas e médias empresas (MPME), que ainda não recuperadas dos efeitos da epidemia e já novas dificuldades estão a sofrer com os impactos da situação internacional, chamou a atenção no debate o Grupo Parlamentar do PCP, pondo sobretudo em evidência a insuficiente resposta do Governo aos problemas com que aquelas se debatem.

É sabido como os custos da energia, agravados com o aumento dos preços especulativos dos combustíveis, do gás e da electricidade, pesam nos custos destas empresas – e não o aumento dos salários, que até é decisivo para dinamizar a actividade económica e, consequentemente, as próprias MPME.

Daí que Paula Santos tenha instado o Governo a intervir sobre os custos da energia, o que exige a regulação de preços máximos, coisa que aquele não faz, limitando-se a algumas medidas de apoio.

Aos custos da energia, nalguns sectores, soma-se o aumento das matérias-primas ou mesmo a sua escassez, situação que a deputada comunista pôs também em cima da mesa, defendendo «soluções concretas» que evitem a «redução da capacidade produtiva». E uma delas, explicitou, chama-se fundo de apoio à tesouraria das MPME, que, na sua perspectiva, «faria toda a diferença para assegurar a sua actividade». O que a levou a questionar o ministro da Economia e do Mar sobre a disponibilidade para avançar com tal medida. O repto não obteve resposta.

 

Faltam as respostas que assegurem o futuro

No que toca aos direitos sociais, seja na saúde ou na protecção social, na educação, na habitação ou na cultura, o PCP é taxativo na avaliação que faz: todas estas áreas carecem de um efectivo reforço, mas em nenhuma delas se vê que as opções do Governo assegurem esse objectivo.

Paula Santos demonstrou-o, por exemplo, com a recusa do Governo em assumir compromissos no caso da Saúde que garantam uma política de contratação e fixação de profissionais no SNS, que «valorize carreiras e remunerações, recupere consultas, cirurgias, tratamentos e exames, que atribua médico e enfermeiros de família, que salve o SNS».

Já em matéria de Educação, observou a inexistência de qualquer referência para a redução do número de alunos por turma, e criticou a falta de compromisso do Governo para valorizar a Escola Pública e recuperar aprendizagens, bem como para resolver o problema da falta de professores, para avançar na valorização das suas carreiras.

Não foram também esquecidas as dificuldades das famílias no plano da Habitação, com Paula Santos a sublinhar a exigência de uma política que dê estabilidade no arrendamento, ponha fim ao balcão dos despejos, compatibilize o valor das rendas com os rendimentos das famílias, disponibilize habitação pública.

Um outro problema, indissociável das questões acima referidas, não passou à margem do debate: a instabilidade que dificulta a vida dos jovens, em particular dos jovens casais, para planear o futuro. Problema este que, ao contrário do que diz o Governo no seu Programa, como bem observou João Dias, não é uma questão de «percepção» dos jovens sobre as «condições para terem e criaram filhos». A cada vez maior dificuldade que os jovens encontram para se autonomizar, quanto mais para ter filhos, tem causas concretas e bem identificadas, como mostrou o deputado do PCP: a «instabilidade dos vínculos laborais», a «política de desvalorização dos trabalho, dos trabalhadores, dos salários, dos serviços públicos», a desarticulação da vida pessoal e profissional, a criação das vagas necessárias em rede pública de creches gratuita.

Lamentavelmente, para nenhum destes problemas foi dada nota de haver o compromisso do Governo para os resolver.

“É preciso reforçar os direitos sociais,
na saúde, na protecção social, na educação,
na habitação ou na cultura.” Paula Santos

 

Não à mercantilização do ambiente

Não se encontra no Programa do Governo uma opção clara de reversão do caminho de mercantilização do ambiente e da natureza trilhado até aqui. A esta conclusão chegou Diana Ferreira, a partir da análise de elementos estruturantes como sejam a não assumpção pelo Governo do compromisso de gestão pública da água, fundamental para assegurar o acesso a este bem essencial à vida, ou a insistência em fazer dos resíduos um negócio, não revertendo a privatização da EGF.

Mas não se ficaram por aqui as críticas ao documento. Sem censura não passou a ausência de clarificação quanto à gestão dos recursos hídricos, tal como verberada foi a recusa em tomar medidas de reforço do ICNF, «serviço essencial para a conservação dos ecossistemas e dos valores ambientais», como sublinhou a deputada comunista.

Foi para si igualmente estranho, por outro lado, que perante o desafio das alterações climáticas, e sabendo-se, de resto, quão importante é a redução das emissões do sector dos transportes, que o Governo não dê nenhum passo que reforce as condições de acesso ao passe social, alargando-o a todo o País, reforçando a oferta e caminhando no sentido da sua gratuitidade, a começar para todos os jovens até aos 18 anos.

Suscitada, desta feita por Bruno Dias, foi também a inexistência no Programa do Governo de qualquer medida relativa às tarifas energéticas (electricidade, gás, combustíveis), nem quanto às margens especulativas, que têm permitido lucros fabulosos às grandes petrolíferas.

 



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