1861: o ano novo dos EUA

António Santos

Em 1861 Henry Adams lamentava-se que «nenhum na América queria a guerra civil, nem a esperava, nem a antecipava». Na primeira semana de 2022, parece que todos os homens (e mulheres) da América a antecipam, a esperam ou a desejam.

«Vem aí a guerra civil?» perguntava, na semana passada, a manchete do New Yorker. «Enfrentamos uma segunda guerra civil?» ecoava, simultaneamente, uma coluna do New York Times. Três generais na reforma retorquiam numa coluna do Washington Post: «mais uma tentativa de golpe de estado» e ela pode mesmo estalar, avisavam. Entretanto, um estudo da Universidade da Virgínia revelou que mais de metade dos 74 milhões de eleitores de Trump acreditam que houve fraude eleitoral e defendem a secessão dos Estados republicanos. 44 por cento dos democratas concordam em partir a federação dos Estados.

No aniversário da patética tentativa de golpe ensaiada e gorada no capitólio, Biden perguntou-se se «vamos ser uma sociedade que aceita a violência política como a regra». Os sinais estão lá: a percentagem de estado-unidenses que admitem recorrer à violência para atingir fins políticos subiu de 10 por cento, na década de 90, para trinta por cento; o número de ameaças de violência contra congressistas duplicou em menos de um ano e, recorde-se, nos EUA há 434 milhões de armas para 330 milhões de pessoas e cerca 220 milícias. Oportunamente, Barbara Walter, uma consultora da CIA, promete ter todas as respostas no seu novo livro: «Como as guerras civis começam e como travá-las».

Os lunáticos tomaram conta do hospício?

Trump, surpreendentemente, embora enleado em processos judiciais, já escorraçado da Casa Branca e permanentemente censurado pelo Twitter, pelo Facebook e pelo Youtube, nunca foi tão popular. Segundo as últimas sondagens, reúne o apoio de 9 em cada 10 republicanos e conta com uma taxa de aprovação de 52 por cento dos estado-unidenses— mais do que quando se sentava na sala oval e o suficiente para sonhar com uma nova candidatura em 2024.

À medida que a hegemonia dos EUA esmorece, agravam-se as contradições internas da burguesia. Essas contradições tomam as formas mais diversas: são demográficas, num país urbano e democrata de costas voltadas para um país republicano e rural; são eleitorais, na distorcida sobre-representação dos republicanos no Senado; são económicas, na alta finança oposta à indústria e são, crescentemente, políticas, na amplitude de soluções propostas para salvar o capitalismo em crise.

É possível prever que 2022 traga, à semelhança de 1861, um clima político ainda mais polarizado, violento e volátil. É difícil dizer se esse clima conduzirá a mais erupções localizadas de violência ou à rotura da união dos Estados porque a resposta depende bastante de medidas de loucura. Mas, tratando-se dos EUA, ninguém ficará surpreendido se um dia os lunáticos tomarem conta do hospício. Por ser um hospício, primeiramente. E por estar apropriadamente a transbordar de lunáticos, já agora.




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