Etiópia, «ajudas» e ingerências

Carlos Lopes Pereira

O go­verno norte-ame­ri­cano con­cre­tizou a ameaça e ex­cluiu a Etiópia de um tra­tado co­mer­cial entre os Es­tados Unidos da Amé­rica e países afri­canos.

Também o Mali e a Guiné so­freram o mesmo cas­tigo, dei­xando de poder aceder aos «be­ne­fí­cios» da Lei de Cres­ci­mento e Opor­tu­ni­dades para África (AGOA, na sigla em in­glês), que re­gula e «fa­ci­lita» o co­mércio entre os EUA e par­ceiros afri­canos. Ao abrigo do con­vénio, em vigor até 2025, mi­lhares de pro­dutos afri­canos ex­por­tados para os EUA gozam de re­du­zidas taxas adu­a­neiras.

A ad­mi­nis­tração Biden acusa os três países de «graves vi­o­la­ções de di­reitos hu­manos re­co­nhe­cidos in­ter­na­ci­o­nal­mente».

O Mali e a Guiné foram há meses palcos de golpes de Es­tado mi­li­tares e essa é a jus­ti­fi­cação para as san­ções norte-ame­ri­canas.

O golpe de força em Co­nakry será de­certo per­doado e es­que­cido em breve, já que os gol­pistas são li­de­rados por um co­ronel que mantém boas re­la­ções com Paris e Washington.

O caso ma­liano é mais «grave», na pers­pec­tiva norte-ame­ri­cana, uma vez que a junta mi­litar ins­ta­lada em Ba­mako ousou pôr em causa a «ajuda» oci­dental e ad­mitiu re­forçar a sua co­o­pe­ração mi­litar his­tó­rica com a Rússia.

Cu­ri­o­sa­mente, um fiel aliado da França e dos EUA, o Chade – o quartel-ge­neral da Barkhane, a ope­ração mi­litar fran­cesa de in­ter­venção no Sahel, está ins­ta­lado em N’D­ja­mena –, onde o poder também foi to­mado pelos ge­ne­rais, ficou de fora da lista dos países san­ci­o­nados.

Em re­lação à Etiópia, Washington acusa o go­verno fe­deral etíope de «apro­fundar o con­flito» no norte do país, re­fe­rindo-se à guerra de agressão mo­vida por se­ces­si­o­nistas do Tigré.

Adis Abeba de­fende-se e apre­senta provas do apoio ac­tual dos EUA, da União Eu­ro­peia e ali­ados à Frente de Li­ber­tação Po­pular do Tigré (TPLF, na sigla em in­glês), con­si­de­rada um grupo «ter­ro­rista». E contra-ataca com um ar­tigo pu­bli­cado há dias pela agência ofi­cial de no­tí­cias etíope.

Lembra que desde há muito que os norte-ame­ri­canos for­necem «ajuda» eco­nó­mica à Etiópia, atraídos pela im­por­tância e di­mensão do país e pela sua si­tu­ação ge­o­grá­fica, na re­gião do es­tra­té­gico Corno de África e do acesso ao Mar Ver­melho. E ex­plica que, a partir dos co­meços da dé­cada de 90 do sé­culo XX e ao longo dos 27 anos de go­ver­nação de uma frente de or­ga­ni­za­ções po­lí­ticas li­de­rada então pela TPLF, os EUA con­ti­nu­aram a uti­lizar a sua vo­lu­mosa «ajuda eco­nó­mica» como ins­tru­mento para atingir os seus ob­jec­tivos po­lí­ticos e não para pro­mover o de­sen­vol­vi­mento sus­ten­tável do país. Nesse pe­ríodo – in­siste hoje Adis Abeba – os EUA não se pre­o­cu­param com as vi­o­la­ções de di­reitos hu­manos e as atro­ci­dades co­me­tidas pela TPLF e usaram a «ajuda» eco­nó­mica para manter a Etiópia na sua es­fera de in­te­resses po­lí­ticos e eco­nó­micos.

Esta po­lí­tica im­pe­ri­a­lista norte-ame­ri­cana não é nem nova nem única. Ao con­trário, é an­tiga e ge­ne­ra­li­zada a prá­tica global dos EUA vi­sando do­minar os países para os ex­plorar e pi­lhar as suas ri­quezas. Mas, em África e em todo o mundo, os povos cada vez mais re­sistem e lutam pela sua in­de­pen­dência e so­be­rania. E ven­cerão.




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