As novas formas de ir ao cinema
A tecnologia alterou a forma de ver cinema e as próprias características dos filmes
A digitalização gerou mudanças nos modos de ver cinema.
Enquanto, no início dos anos 2000, os estúdios de Hollywood se preocupavam em estabilizar um padrão para a projecção digital que não gorasse as expectativas estabelecidas pela película de 35 mm, alguns estudiosos comparavam as imagens resultantes dos dois tipos de projecção. Estes aludiam a uma distinção fundamental que não era baseada no número de pixéis que as compunham ou na forma como os projetores eram capazes de representar a cor ou a luz, mas antes em elementos quase intangíveis.
Para os mesmos, as diferentes características de imagem oferecidas por cada sistema de projecção originavam experiências desiguais. Entendia-se, em alguns casos, que as imagens digitais, comparativamente às analógicas, eram frias, menos envolventes e incapazes de suscitar o mesmo prazer de visionamento, ou que as mesmas evidenciavam falta de emoção ou desconexão do real. Estas acepções aludiam a uma perda da «aura» da imagem projectada, no sentido benjaminiano, motivada pela substituição do suporte material analógico pela sua simulação digital expurgada de falhas.
Outros elementos associados à experiência do cinema na sala escura foram postos em causa. Entre estes estava o trabalho do projeccionista, que deixava de ser necessário face aos novos suportes e equipamentos, ou ainda a especificidade daquele espaço que já não estava apenas destinado a exibir filmes, mas passava também a apresentar outros conteúdos digitalizados, tais como concertos musicais, eventos desportivos ou jogos de vídeo coletivos, que requeriam novas posturas por parte do espectador.
O vídeo analógico e depois o digital DVD haviam já permitido relacionamentos diferenciados com os objectos audiovisuais. No entanto, elementos novos vieram contribuir para mais mudanças nos modos e temporalidades de recepção do cinema. O vasto acesso mundial à internet através de banda larga, apesar da persistência nesse quadro de importantes exclusões e/ou assimetrias, permitiu novas formas de acesso e apresentação de conteúdos, entre os quais os de natureza cinemática.
Filmes de várias cinematografias nacionais que, no período antecedente, eram apenas vistos nos seus países de origem, objectos cinematográficos raros, antes difíceis de obter, ou novos trabalhos independentes e/ou experimentais, que previamente não tinham espaço de exibição ou ficavam circunscritos a locais muito marginais e a um público limitado, tornaram-se disponíveis para qualquer indivíduo com ligação à rede. Este cenário originou uma cinefilia reticular universal que nem o circuito exibidor convencional, nem os seus clássicos sistemas alternativos, em que se destacam os festivais, são capazes de igualar. Virtualmente, todos os filmes passaram a estar disponíveis em todo o mundo, a todo o momento.
Tornou-se ainda possível o acesso aos filmes mediante novos ecrãs que roubaram a primazia à tela gigante da sala de cinema e mesmo ao seu primeiro grande oponente, o do televisor.
O cenário descrito determinou também a alteração das características dos próprios filmes. Estes passaram a adaptar-se aos vários contextos de circulação, recorrendo a durações mais curtas e a registos e edição preparados para os pequenos ecrãs, e à mudança da postura do espectador, que lida agora com várias formas de aceder às imagens em movimento, em diferentes contextos e com distintos formatos e configurações.