Aumento do salário mínimo travado pelos do costume
Sem surpresa, PS, PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal chumbaram o projecto de resolução do PCP visando o aumento do salário mínimo nacional para 850 euros. Perdem os trabalhadores e a economia nacional.
O aumento do SMN combateria as desigualdades e impulsionaria o mercado interno
O aumento do salário mínimo nacional (SMN) para os 850 euros é uma das componentes da «resposta global» que urge dar aos problemas nacionais, realçou a deputada Diana Ferreira no debate sobre o projecto de resolução apresentado pelo PCP com esse mesmo objectivo, realizado na quinta-feira, 30 de Setembro. Para a deputada comunista, esta medida teria desde logo um tremendo impacto na vida dos mais de um milhão e 200 mil trabalhadores que auferem o salário mínimo, mas também na de centenas de milhares de outros, que veriam os seus vencimentos aumentar impulsionados por esta valorização.
Considerando a injusta repartição da riqueza um dos mais graves problemas que o País enfrenta (ver caixa), Diana Ferreira explicou que o aumento proposto pelo PCP significaria um rendimento líquido de 756 euros mensais, «em contraponto com um valor que hoje fica pouco acima dos 590 euros». Actualmente, em Portugal, «cerca de 10 por cento dos trabalhadores vivem em situação de pobreza, mesmo trabalhando», acrescentou a deputada. Ora, insistiu, «não se combate a pobreza (incluindo a pobreza infantil) sem assumir a necessária valorização dos salários e o aumento do salário mínimo nacional de forma significativa». Além disso, lembrou ainda, os baixos salários constituem um obstáculo enorme no acesso à habitação.
Antecipando a argumentação que se seguiria, Diana Ferreira lembrou que o salário «não é nenhum favor nem é caridade – é um direito fundamental. São os trabalhadores que, todos os dias, semana após semana e mês após mês produzem a riqueza do nosso país».
Alavanca de progresso
Depois de considerar que Portugal «não tem futuro com um caminho de baixos salários, que traz consigo o empobrecimento, o desemprego, a emigração», a deputada do PCP eleita pelo círculo do Porto acrescentou a importância do aumento do salário mínimo (e dos restantes salários) para o próprio «futuro do País».
Explicando o alcance do que acabara de referir, Diana Ferreira realçou não ser possível «ter pensões mais elevadas no futuro sem aumentar os salários no presente», ao mesmo tempo que não se dinamiza a economia sem se assumir que «são os salários dos trabalhadores que influenciam o consumo, a procura e a dinamização do mercado interno».
A deputada comunista realçou ainda que não será possível, «sem vínculos estáveis e salários que lhes garantam condições para construir, de forma autónoma, o seu caminho» e que «não se combate a emigração de trabalhadores qualificados nem se fixa trabalhadores na Administração Pública sem valorizar os salários, as carreiras e as profissões». Também é impossível falar de sustentabilidade da Segurança Social «sem assumir que o aumento dos salários é determinante para esse objectivo».
É por todas estas razões que se impõe a «ruptura com as opções da política de direita que sustentam o modelo económico assente em baixos salários».
Clarificar posições
A terminar a sua intervenção, Diana Ferreira apelou ao Governo, e às outras forças políticas, que clarificassem posições relativamente à questão do aumento do salário mínimo nacional.
E teve-as: do PSD vieram os apelos a uma «avaliação séria e rigorosa» do impacto deste aumento, que não solicitou quando se tratou de entregar milhões de fundos públicos às grandes empresas a pretexto da epidemia; ao CDS coube a referência à concertação social, como se a fixação do SMN não fosse uma competência do Governo e da Assembleia da República; o deputado da Iniciativa Liberal preferiu falar de impostos (em abstrato, como convém) e não tanto do que ali se debatia, ficando evidente os interesses que defende.
Já o PS só clarificaria a sua posição no dia seguinte, votando contra a proposta. No debate, optou por lembrar aumentos salariais recentes, ocultando que resultaram da persistência do PCP e que contaram sempre com a resistência do PS e do próprio Governo.
PEV, BE e PAN votaram favoravelmente o projecto do PCP.
Um País profundamente desigual
No texto do projecto de resolução que recomendava ao Governo o aumento do salário mínimo nacional, o PCP, recorrendo a dados oficiais e estatísticas, traça o quadro do País em termos de desigualdades:
-
actualmente, cerca de 56 por cento da riqueza total está nas mãos de um por cento da população, sendo que a fortuna que é acumulada pelos 50 mais ricos em Portugal equivale a 12 por cento do PIB;
-
no final de 2020 (e hoje não andará muito longe disto), os salários representavam 35 por cento da riqueza nacional e os rendimentos de capital 41 por cento. Em 1975, na sequência da Revolução de Abril, os salários representavam 59 por cento e os rendimentos de capital ficavam-se pelos 24,3 por cento;
-
cerca de 70 por cento da riqueza total é detida pelas famílias pertencentes ao grupo das 20 por cento com maior riqueza. As 20 por cento de famílias com menor riqueza dispõem tão só de 0,1 por cento da riqueza;
-
em 2019 (antes da COVID-19, portanto), cerca de 10 por cento da população empregada era pobre, assim como 40,7 por cento dos desempregados. Cerca de dois milhões encontravam-se em risco de pobreza.