Eleições na Alemanha

Pedro Guerreiro

CDU/​CSU, SPD, Verdes e FDP con­vergem no fun­da­mental

In­de­pen­den­te­mente de ou­tras ne­ces­sá­rias con­si­de­ra­ções e pos­sí­veis de­sen­vol­vi­mentos ul­te­ri­ores, os re­sul­tados das elei­ções na Ale­manha re­a­firmam a ten­dência de re­dução do peso con­junto elei­toral da CDU/​CSU e do SPD, que têm go­ver­nado este país há dé­cadas, in­cluindo através da de­no­mi­nada «grande co­li­gação» (2005-09, 2013-17 e 2017-21).

Se a CDU/​CSU ob­teve o seu pior re­sul­tado elei­toral, o SPD con­frontou-se com igual si­tu­ação nas elei­ções le­gis­la­tivas de 2017. Juntos, CDU/​CSU e SPD ob­ti­veram na vo­tação por par­tido nas elei­ções de há quatro anos cerca de 22 mi­lhões de votos, e 47%, ob­tendo agora cerca de 20 mi­lhões, e 45%, um recuo de cerca de dois mi­lhões de votos. Re­corde-se que esta co­li­gação go­ver­na­mental já havia so­frido um recuo de cerca de quatro mi­lhões de votos nas elei­ções de 2017.

Tais re­sul­tados ex­pressam uma cres­cente in­sa­tis­fação de largas ca­madas da po­pu­lação alemã, par­ti­cu­lar­mente das que foram mais pe­na­li­zadas por a uma po­lí­tica de re­gressão so­cial – re­corde-se que na mais im­por­tante po­tência ca­pi­ta­lista eu­ro­peia, no­me­a­da­mente em termos eco­nó­micos, uma em cada cinco cri­anças vive em risco de po­breza.

No en­tanto, essa as­pi­ração a uma mu­dança de po­lí­tica tem vindo a ser ac­ti­va­mente di­ri­gida pelo poder do­mi­nante para forças po­lí­ticas, como os Verdes (arautos de um «ca­pi­ta­lismo verde») ou o FDP (de­no­mi­nados de «li­be­rais», mas ne­o­li­be­rais na sua po­lí­tica eco­nó­mica) que, como de­monstra a sua par­ti­ci­pação em go­vernos de co­li­gação – SPD e Verdes (2001-05) e CDU/​CSU e FDP (2009-13) –, não re­pre­sentam uma efec­tiva al­ter­na­tiva po­lí­tica.

Exis­tindo di­fe­renças e nu­ances quanto a al­gumas pri­o­ri­dades e me­didas de âm­bito eco­nó­mico e so­cial ou re­la­ti­va­mente ao nível de ali­nha­mento com os EUA no quadro da con­cer­tação/​ri­va­li­dade inter-im­pe­ri­a­lista, CDU/​CSU, SPD, Verdes e FDP con­vergem no fun­da­mental da po­lí­tica ao ser­viço dos in­te­resses dos mo­no­pó­lios ale­mães. Aliás, bas­taria atentar no seu po­si­ci­o­na­mento quanto à União Eu­ro­peia e às suas po­lí­ticas ne­o­li­be­rais, fe­de­ra­listas e mi­li­ta­ristas, para cons­tatar a sua con­ver­gência em ques­tões tão fun­da­men­tais, como as re­cen­te­mente elen­cadas por Von Der Leyen, pre­si­dente da Co­missão Eu­ro­peia, no seu dis­curso sobre a UE.

No en­tanto, face ao agra­va­mento da si­tu­ação eco­nó­mica e so­cial na Ale­manha e aos de­sa­fios co­lo­cados pe­rante o grande ca­pital alemão, o en­ten­di­mento entre estas forças po­lí­ticas po­derá ser mais di­fícil de en­con­trar – ainda mais com a saída de An­gela Merkel, de­pois de 16 anos como chan­celer. Como o pas­sado re­cente de­monstra, ne­nhuma das ar­ru­ma­ções go­ver­na­men­tais entre estas quatro forças po­lí­ticas pode ser des­car­tada à par­tida. Re­cor­demos como Martin Schultz, líder do SPD, foi há quatro anos obri­gado à de­missão, de­pois de dar o dito por não dito, ao ter re­jei­tado ini­ci­al­mente a re­no­vação da co­li­gação go­ver­na­mental com a CDS/​CSU e aca­bando por aceitá-la, face à pressão do grande ca­pital alemão – em­bora nas con­di­ções ac­tuais, e também por isso, seja mais di­fícil re­e­ditar a «grande co­li­gação».

O par­tido A Es­querda re­gista um sig­ni­fi­ca­tivo recuo, per­dendo quase me­tade da sua vo­tação, pas­sando de 9,2% para 4,9%, não al­can­çando a fas­quia dos 5%. No en­tanto, a eleição di­recta de três de­pu­tados nos cír­culos uni­no­mi­nais, per­mite a en­trada no par­la­mento dos seus 39 de­pu­tados eleitos no cir­culo geral – em 2017, A Es­querda elegeu 69 de­pu­tados



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