O preconceito explicado por si próprio

Margarida Botelho

Muitas vezes, os preconceituosos não se consideram preconceituosos. «Até tenho um amigo que é», como diz a velha piada. Mas o preconceito vem sempre ao de cima.

Durante a campanha eleitoral, a SIC e o Expresso destacaram-se no preconceito contra a CDU. As peças pré-fabricadas, encenadas, os remoques azedos, a ortodoxia do guião da derrocada iminente, foram quotidianos na cobertura da SIC. O Expresso que, enfim, tenta ser mais fino e se calhar até tem um amigo que é, teve um deslize que deve ficar para os anais da história da imprensa portuguesa. Pelo menos na parte da que tem mesmo muita piada, ainda que involuntária.

Na edição de dia 24 de Setembro, último dia de campanha, o Expresso fez um balanço da campanha. O da CDU é do pior, claro está. Transcrevem-se as melhores tiradas, com a devida vénia à autora:

Durante a campanha, o Secretário-geral do PCP «falou sempre para os mesmos do costume, os militantes da primeira hora, agora e como sempre, nas primeiras filas dos comícios», «o cenário de fundo era sempre o mesmo a rodar pelo País, a mesma banda sonora, as mesmas cadeiras, as mesmas bandeiras», «os adversários podem andar à solta, os outros líderes vão ao molho e fé em deus, mas na CDU só há máscaras, distâncias e segurança total», «Jerónimo falou sempre e só para os mesmos do costume, para uma plateia repleta de indefetíveis, muitos deles funcionários ou reformados do partido, ou candidatos ora à junta, assembleia municipal ou câmara nas listas da CDU». Isto é o resumo do que a senhora viu, falta o que a senhora previu:

«A isto junta-se a dificuldade em segurar as 24 câmaras comunistas, como Setúbal, Alcácer do Sal ou mesmo Évora», numa lista de desejos que talvez corresponda a alguma geografia pessoal, mas que não acertou em nenhum resultado.

A isto lá no Expresso deve chamar-se jornalismo, objectividade, notas de reportagem, criatividade. Não tem sequer vestígios de preconceito, porque lá na Impresa não há disso.

Há no entanto uma parte da página inteira que o jornal dedica à CDU que é refrescante de tão certa. Pergunta o Expresso a Jerónimo de Sousa: «o mais difícil desta campanha?» Resposta: «contrastando com o apoio e confiança que sentimos com o decorrer da campanha, a dificuldade maior foi a que resulta da forma preconceituosa que a SIC e o Expresso imprimiram à cobertura da campanha da CDU». Podia ter acrescentado «de acordo com a prova junta», mas era de facto dispensável. Porque o preconceito explica-se a si próprio nos restantes caracteres da página.

 



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