Onda de despejos nos EUA
Milhões de trabalhadores estado-unidenses poderão ficar sem tecto nos próximos dois meses. É esta a principal conclusão de um estudo recente da Universidade de Princeton, que revela que até 43 por cento de todos os inquilinos dos EUA correm risco de ser despejados a curto prazo.
Os recordes históricos de requerimentos de despejos podem parecer a resseca económica da pandemia: no final de Agosto, o Supremo Tribunal pôs fim à moratória aos despejos e, pouco depois, Biden permitiu que os apoios federais aos desempregados caducassem para mais de 7,5 milhões de pessoas. A braços com crescentes dificuldades financeiras, a maioria dos governos estaduais preferiu não prolongar o apoio extraordinário de 300 dólares semanais que manteve milhões de famílias à tona de água.
Durante mais de um ano, as medidas do governo federal fizeram pouco mais que empurrar o problema com a barriga, que resultou na acumulação de rendas em atraso para a maioria das famílias da classe trabalhadora. Findas as moratórias e os apoios, muitos milhões não têm forma de pagar a renda acrescida de dívidas.
Mas a realidade é que a pandemia apenas veio acelerar uma crise com raízes mais profundas e que estava em gestação há meio século. Desde meados da década de 70 que o salário real estado-unidense estagnou, em contraste evidente com o valor galopante das rendas, que vêm assumindo um peso cada vez maior nos rendimentos dos trabalhadores. Simultaneamente, esses rendimentos têm-se tornado cada vez mais instáveis e imprevisíveis para os trabalhadores submetidos a vínculos, horários e salários tão precários como imprevisíveis. Se a pressão das rendas sobre os salários já era, há anos, quase incomportável para milhões de trabalhadores, o desemprego, o lay-off e a redução de carga horária que vieram a reboque da COVID-19 tornaram qualquer tipo de gestão impossível.
Para que tenhamos uma noção da dimensão dessa impossibilidade, em Charleston, na Carolina do Sul, o número de requerimentos de despejos atingiu 232 por cento da média histórica; em Wilmington, no Delaware, 238 por cento e em Dallas, no Texas, 134 por cento.
Biden pôs em marcha, é certo, um fundo de 140 mil milhões de dólares para apoiar senhorios e arrendatários, mas menos de 12 por cento do dinheiro chegou onde devia: para além de problemas burocráticos, ineficácia processual e muitos bloqueios políticos, são muitos os senhorios que não estão interessados em receber apoios, preferindo despejar os inquilinos com rendas em atraso como para depois subir os preços e obter mais seguranças, uma decisão de negócios que atirará para a rua milhões de trabalhadores. À margem destes apoios ficam, naturalmente, milhões de arrendamentos ilegais e pouco protegidos contra despejos arbitrários.
Se nada for feito, segundo o mesmo estudo, assistiremos a curto prazo à maior onda de despejos da história dos EUA, que pode atirar para a rua sete milhões de famílias que, no final de Agosto, tinham rendas em atraso. Danos colaterais de uma economia tão livre, tão livre que nem a habitação é um direito.