Afeganistão, que perspectivas?

Albano Nunes

A médio e longo prazo as forças patrióticas e progressistas acabarão por se impor

A imprensa internacional está cheia de interrogações e especulações sobre o Afeganistão. 20 anos passados sobre o desencadeamento de uma brutal guerra de agressão que marcou uma nova etapa da sua estratégia agressiva, os EUA e a NATO veêm-se forçados a retirar deste país o grosso do seu poderoso dispositivo militar deixando atrás de si um tenebroso rasto de violência e crime. Centenas de milhares de mortos, Bagram e outros sinistros centros de tortura, campos de concentração com destaque para a base de Guantánamo com milhares de presos sem julgamento, violação do espaço aéreo de vários países para o transporte secreto de prisioneiros, um país destruído e rapidamente transformado no maior produtor de ópio do mundo. Nada disto deve ser esquecido, como esquecido não deve ser que Osama bin Laden e a Al-Quaeda foram uma criação dos EUA e da Arábia Saudita, do mesmo modo que o Daesh e seus sucedâneos são instrumentos da acção de desestabilização e subversão do imperialismo. Tudo isto em nome da «guerra» ao «fundamentalismo islâmico» terrorista, da «defesa dos direitos humanos» e da «democracia», do «direito e dever de ingerência humanitária».

Ao contrário do que afirmam colunistas encartados, sempre cegos perante as fraquezas e derrotas dos seus amos, não se trata simplesmente de uma opção dos EUA visando concentrar forças contra o seu alvo principal, a República Popular da China cuja evolução à data da invasão ainda suscitava no grande capital esperanças no seu afastamento do caminho do socialismo e consequente submissão ao dictat do imperialismo, o que não aconteceu, e é evidente que no processo de desinvestimento militar dos EUA há muito cálculo quanto à possibilidade de uma solução de poder no Afeganistão hostil à China. Porém o que mais importa realçar é que estamos perante mais uma importante derrota do imperialismo.

Os povos não são uma folha em branco onde o imperialismo escreve o que quer, mesmo quando, como sucede no Afeganistão, se apresentam fragmentados em diferentes etnias e susceptíveis de instrumentalização por ideologias e concepções obscurantistas e reaccionárias. Essa a lição principal independente da incerteza do que está para diante. No imediato há muita poeira no ar, é cedo para ajuizar. Mas não há dúvida de que a médio e longo prazo as forças patrióticas e progressistas acabarão por se impor. E não se diga que tomamos os desejos por realidades. Não. É o processo de evolução mundial que o ensina e na própria história do Afeganistão encontramos motivos de confiança no futuro. Desde logo num proverbial passado de invencibilidade, nomeadamente frente aos exércitos da Rússia czarista e do imperialismo britânico. Mas sobretudo porque este país já conheceu com a revolução de Abril de 1978 uma revolução popular laica e orientada para o socialismo protagonizada pelo Partido Democrático Popular do Afeganistão. Uma revolução que foi derrotada pela ingerência do imperialismo com a mobilização da pior reacção feudal mas que no curto período da sua existência realizou profundas transformações progressistas reclamadas pela sociedade, transformações que tarde ou cedo acabarão por se impor.

 



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