O espaço dos ricos
Querem que se acredite que se está perante um novo negócio de «turismo espacial», mas o que retenho das recentes viagens de alguns multimilionários ao espaço é a vassalagem mediática que à escala planetária se entreteve a vangloriar os mais ricos dos ricos, os que acumulam tanta riqueza quanto os muitos milhares de milhões de seres humanos que sobrevivem no planeta terra.
De repente, os heróis da conquista espacial deixaram de ser os cientistas das agências espaciais americanas ou russas (ou europeia ou chinesa), os seus astronautas e cosmonautas, para nos confrontarmos com uns cavalheiros que, do alto dos seus milhares de milhões de euros, fazem aquilo que só estaria reservado a uns poucos. É toda uma «educação» feita a partir da glorificação destes indivíduos e dos critérios que estão na base da pornográfica acumulação de riqueza de que beneficiam. Os mais ricos dos ricos são visionários, são inteligentes, são destemidos, são generosos, são filantropos, estão no topo, são seres superiores que, ao contrário dos restantes mortais, tocam no céu!
Para a perpetuação do capitalismo há quem queira elevar os capitalistas ao patamar de heróis. Já chega a chatice de ter de encobrir diariamente as chagas da exploração que promovem, de se auto-justificarem pelos impostos que não pagam, de apagar o rasto da corrupção sistémica da qual beneficiam. Aparecer à frente das câmaras de televisão de todo o mundo como heróis da conquista espacial – por muitos milhões que tenham gasto na dita viagem – é coisa que não tem preço. É evidente que outros interesses e negócios haverá associados a este tipo de indústria com que os Bransons, os Musks e os Bezos deste mundo também contam ganhar dinheiro. Mas o proveito maior é no plano ideológico. Haverá ganho maior?!
É certo que sobrará sempre a eterna pergunta de Almeida Garret: «E eu pergunto aos economistas, políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?»