Manifestações na Colômbia continuam apesar da crescente repressão policial
Apesar da violenta repressão e da crescente militarização das cidades, que já causaram mais de três mil vítimas (entre mortos, feridos, desaparecidos e detidos), prossegue há mais de um mês a mobilização popular na Colômbia, com greves e manifestações.
Governo arrasta processo de negociação das reivindicações populares
Lusa
Na Colômbia, o Comité Nacional de Greve aguardava no domingo, 30 de Maio, uma reunião com representantes do governo para avançar com a negociação de um conjunto de reivindicações que considera urgentes.
Mais de um mês depois de deflagrar, a 28 de Abril, um movimento popular de greves, protestos e manifestações contra as políticas neoliberais do presidente Iván Duque, os dirigentes grevistas acusam o governo de estar a arrastar as negociações em curso, após o adiamento da assinatura de um pré-acordo alcançado sobre garantias para o protesto social.
De acordo com as reivindicações do Comité Nacional de Greve – que reúne sindicatos e representantes de estudantes, povos originários e outros sectores e forças sociais –, o governo deve abster-se de adoptar medidas ao abrigo de estados de excepção, que podem limitar o direito de manifestação, e deve retirar das ruas o exército e o famigerado Esquadrão Móvel Anti-distúrbios (Esmad), acusados de abusos e de uso de violência sobre manifestantes.
O movimento popular exige que a polícia não utilize armas de fogo contra os manifestantes e não faça detenções entre as pessoas mobilizadas em protestos. Além disso, pretendem que Duque, na sua condição de chefe do Estado e comandante das forças armadas, condene os abusos e crimes cometidos na repressão do movimento popular e se comprometa a sancionar os culpados. Consideram que a garantia do exercício do protesto social é ponto essencial para iniciar negociações.
Pela sua parte, o governo de extrema-direita colombiano continua a não querer cumprir tais garantias e, na sexta-feira, 28, ordenou a utilização máxima de força repressiva em Valle del Cauca e na sua capital, Cali, e em outros oito departamentos, para ajudar a polícia a reprimir as manifestações.
Nesse dia, milhares de pessoas voltaram a sair às ruas nas principais cidades da Colômbia e, uma vez mais, a violência policial acometeu contra participantes em acções populares.
Em Cali, grupos para-militares, protegidos pela polícia, dispararam sobre manifestantes.
Ao longo deste mais de um mês de mobilização popular – uma das mais prolongadas lutas sociais no país em 70 anos – a violenta repressão policial já provocou cerca de três mil vítimas, entre as quais 60 mortos, havendo também registo de mais de uma centena de pessoas desaparecidas.
Jesús Santrich assassinado
Jesús Santrich, dirigente das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-Exército do Povo (FARC-EP), foi morto a 17 de Maio, numa emboscada de forças especiais colombianas, na zona fronteiriça com a Venezuela.
«Informamos a Colômbia e o mundo, com o coração dorido, a triste notícia da morte do comandante Jesús Santrich, membro da Direcção das FARC-EP, Segunda Marquetalia, numa emboscada executada por comandos do Exército», anunciou a organização guerrilheira, em comunicado divulgado em Bogotá.
O texto dá pormenores da operação na qual tombou Seuxis Paucias Hernández, aliás Jesús Santrich, um dos negociadores do Acordo de Paz entre as extintas FARC-EP e o Estado da Colômbia, assinado em 2016 em Havana. Há alguns meses, Santrich denunciou que o governo de Iván Duque não cumpre o acordo e persegue os ex-guerrilheiros, tendo passado de novo à clandestinidade.
«Santrich caiu livre, sonhando com a Nova Colômbia em paz completa, com justiça social, democracia e vida digna para a sua gente, para os pobres, os excluídos e discriminados, e para a população desarmada, nestes dias atacada brutalmente pelo exército e a polícia nas ruas por ordem da monstruosa tirania de Duque e Álvaro Uribe», destaca o comunicado.
Justiça reconhece crimes cometidos contra o Partido Comunista Colombiano
Em Bogotá, a Jurisdição Especial para a Paz (JEP) reconheceu no dia 26 de Maio que, entre 1958 e 2016, cerca de 1200 membros do Partido Comunista Colombiano (PCC) foram vítimas de violência por parte de agentes do Estado colombiano.
A JEP reconheceu, com base num relatório apresentado à Sala de Reconhecimento da Verdade, 100 casos que demonstram a violência contra o PCC. O documento expõe que durante mais de cinco décadas houve mais de 304 assassinatos, 35 desaparecidos, deslocações forçadas nas três regiões priorizadas (Meta, Magdalena Medio e Urabá), que procuravam desestruturar o PCC e a Juventude Comunista Colombiana no plano local, regional e nacional.
Magistrados da Sala de Reconhecimento da Verdade e da Secção de Ausência de Reconhecimento concluíram que o Partido Comunista Colombiano, fundado em 1930, deve ser acreditado como vítima colectiva «em atenção à sua militância, simpatia, mobilização ou identidade compartida com a União Patriótica».
Na decisão, os juízes aclararam que o Caso 06, denominado «Vitimização de membros da União Patriótica (UP) por parte de agentes do Estado», centra-se em esclarecer os factos cometidos contra a UP «como um movimento amplo, pluralista e de convergência democrática, em que podiam participar todas as vertentes políticas e os sem partido».
O reconhecimento outorgado como vítima colectiva confere ao PCC a possibilidade de actuar como interveniente especial em todos os processos que se realizem no Caso 06, garantindo os seus direitos à justiça, à verdade plena, a apresentar e solicitar provas e à assistência jurídica e psicológica.
Os trâmites de acreditação começaram a 30 de Dezembro de 2020, quando o Secretário-geral do PCC, Jaime Caycedo, em representação do Partido, apresentou uma petição perante a JEP em que manifestou vontade de ser reconhecido e acreditado como vítima colectiva no referido caso.
O movimento União Patriótica, criado em 1985 no contexto de uma tentativa de acordo de paz entre o ex-presidente Belisario Betancur e a então guerrilha das FARC-EP, e alvo de um genocídio do Estado, foi reconhecido como vítima colectiva a 12 de Março de 2020.