PCP acusa Governo de virar costas aos direitos dos trabalhadores e optar pelos interesses do capital
A defesa dos direitos dos trabalhadores soou forte dia 19, no Parlamento, com o PCP não apenas a denunciar o agravamento da exploração às mãos do capital como a exigir a adopção de medidas concretas que combatam o ataque aos direitos.
Há uma nova vaga de ataques aos direitos dos trabalhadores
No mesmo dia em que levou a cabo uma jornada de contacto à porta de centenas de empresas, falando directamente com milhares de trabalhadores, o PCP, pela voz do seu Secretário-geral e dos seus deputados, alertava na AR para a dura realidade que marca o quotidiano de milhões de trabalhadores, reclamando simultaneamente do Governo uma acção efectiva e respostas que corrijam actuais desequilíbrios em desfavor de quem trabalha e garantam a defesa dos direitos laborais e o cumprimento da lei.
Foi sobretudo isto que esteve no centro de um debate ao qual as bancadas à direita do hemiciclo nada trouxeram e a que o PS e o Governo pouco acrescentaram no sentido de mudanças reais, descontando as já habituais e simpáticas palavras sobre a dedicação e o papel dos trabalhadores.
«Os direitos dos trabalhadores são da maior relevância e têm que estar no centro do debate», disse a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, procurando fazer crer que esta é uma prioridade do Governo e que tudo tem sido feito para «preservar rendimentos e proteger salários».
Afirmação que a realidade não valida, como, logo a abrir a interpelação, foi demonstrado por Jerónimo de Sousa ao trazer para primeiro plano aqueles que são os traços mais marcantes que estão presentes na relação laboral: desvalorização do trabalho, das profissões, das carreiras profissionais, baixos salários, horários prolongados e desregulados, precariedade, chantagens patronais, em suma, exploração dos trabalhadores.
Desmentida foi assim a alardeada ideia que pretende apresentar o PS como um intrépido defensor dos direitos dos trabalhadores. O deputado João Paulo Pedrosa bem o tentou quando, dirigindo-se ao líder comunista, argumentou que o PS assumiu a defesa de quem trabalha nos «50 anos de história desde o 25 de Abril», e que assim é no «contexto de pandemia», por exemplo com o pagamento de «mais de dois milhões de euros em apoios ao emprego a mais de 900 mil pessoas».
Ceder aos poderosos
«Em questões-chave, o PS muitas vezes abandonou a sua matriz original e identificou-se com este ataque violento aos direitos de quem trabalha», respondeu o Secretário-geral comunista, dando como exemplo a questão dos contratos a prazo. «Valia a pena o senhor deputado ler o debate que se realizou aqui em 1976, veja lá, aos anos que isto foi, e as juras e rejuras de que aquilo era para uma situação excepcional, para o trabalho sazonal e mais nada», observou, tirando a lição do que representou esse momento: «abriu-se a fenda da muralha pelas mãos do PS», naturalmente com o apoio dos partidos à direita, e «hoje temos a situação que temos».
Trazido à colação por Jerónimo de Sousa foi ainda o alargamento do período experimental, deixando os jovens sem «direito a ter direitos». «Acha que isso é um progresso? Nós consideramos que em relação a estas matérias o PS em momentos chave, decisivos, por exemplo em relação à contratação colectiva, tem sempre tendência para ceder, não tanto ao PSD e CDS, eu diria mais aos interesse de classe dos mais poderosos», verberou o responsável comunista.
António Filipe, na intervenção final, abordando as exigências que estão colocadas para que haja uma efectiva valorização do trabalho e dos trabalhadores, insistiu na consideração de que não «basta palavras a enaltecer a dedicação dos trabalhadores, tem de haver correspondência entre as palavras e os actos».
Repto sem resposta
Ao Governo foi por isso lançado o desafio para que dissesse se «vai ficar de braços cruzados ou vai intervir em defesa do trabalhadores», perante situações como os baixos salários, a degradação das condições de segurança e saúde nos locais de trabalho, a falta de condições habitacionais e sanitárias, a chantagem sobre os trabalhadores com despedimentos colectivos e baixas indemnizações por despedimento, a limitação e tentativa de impedimento da acção e organização sindical, como sumariou Jerónimo de Sousa.
Sucede que nenhum dos problemas identificados foi merecedor de análise séria nem pelo PS nem pelo Governo, ficando-se ambos ora pelo discurso apologético de alegadas medidas para reforço do emprego e dos salários, ora por promessas vagas quanto à «promoção de uma agenda de trabalho digno», nas palavras de Ana Mendes Godinho.
Do mesmo modo que foram esquivos na abordagem a situações concretas que marcam a vida dos trabalhadores da Administração Pública, como a desvalorização dos salários, carreiras e direitos, a precariedade que continua longe de ser eliminada ou a não contratação de trabalhadores que tanta falta fazem nos serviços.
Apesar de se saber que as suas responsabilidades «pesam» em todos estes domínios, do mesmo modo que pesam – foi ainda Jerónimo de Sousa a afirmá-lo - nos insuficientes meios da ACT e nas suas «orientações desadequadas e capacidade de acção executiva nula», na manutenção de normas gravosas da legislação laboral que fragilizam e atacam direitos dos trabalhadores.
E por isso o PS e o seu Governo foram acusados de recusarem «uma mudança de posicionamento» em favor dos direitos dos trabalhadores, preferindo manter a «opção pelos interesses do capital, pelas imposições da União Europeia».
Luta sem tréguas
«O PS resiste, limita, não cumpre face aos problemas dos trabalhadores, ao mesmo tempo que é mãos largas com os grupos económicos e financeiros», constatou o Secretário-geral do PCP, advertindo que não se ficam por aqui: «para o futuro, querem mais do mesmo». Aludia à promoção do «teletrabalho em condições que significam tele-exploração», bem como ao retrocesso às «velhas praças de jorna, agora por via tecnológica, como acontece com as chamadas plataformas digitais».
Foi, pois, a denúncia desta realidade que ecoou no Parlamento pela voz dos deputados comunistas, que declararam não a aceitar e combatê-la, defendendo que a «recuperação tem de ser sinónimo de desenvolvimento económico e social», o que impõe e exige, como seu «elemento central», a valorização do trabalho e dos trabalhadores.
Valorização que, entre outras medidas, passa pelo aumento geral dos salários, a valorização das carreiras e profissões, o aumento do SMN para os 850 euros, a redução do horário de trabalho para as 35 horas semanais, limitação da laboração contínua e do trabalho por turnos, a revogação da caducidade da contratação colectiva e a reposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, a eliminação da precariedade laboral, meios e orientação adequadas que garantam eficácia à ACT.
É a luta por estes objectivos, «uma luta de sempre», que vai continuar, foi a garantia deixada no final da interpelação por António Filipe.
A praga da precariedade
A situação de precariedade que lavra no mundo laboral, corroendo vidas e adiando na maior parte dos casos o futuro de milhares de trabalhadores, esteve muito presente no debate. Foram enumerados exemplos, apontadas causas, reclamadas medidas correctivas deste problema que se tornou num verdadeiro flagelo.
Na sua raiz, uma legislação que facilita o recurso à contratação a recibo verde, temporária e a prazo, a que acresce uma acção inspectiva carente de meios e mecanismos, sintetizou Ana Mesquita. Em qualquer dos casos a pedir alterações que permitam erradicar a precariedade no sector privado e também na administração pública.
Para que não se verifiquem situações – e estes foram alguns dos exemplos referenciados – como a da Frismag, onde só 600 trabalhadores são efectivos de um total de 1600, ou da Gestamp, que depois de despedir os trabalhadores temporários, em Abril de 2020, voltou a contratar vários deles em Janeiro de 2021. Ou situações como na Casa da Música e na Fundação Serralves, cujo funcionamento assenta em grande parte em falsos recibos verdes, sem falar do recurso contínuo a bolseiros de investigação para substituir postos de trabalho permanentes, dos mais de cem psicólogos cujo contrato é renovado ou prorrogado anualmente, ou das trabalhadoras das cantinas escolares, continuamente sujeitas a contrato no início de cada ano lectivo.
A justa luta por salários e carreiras
Os trabalhadores da Administração Central e Local, que estiveram em greve no dia a seguir ao debate, não foram esquecidos na interpelação do PCP. Paula Santos, carreando razões que levaram os trabalhadores a fazer greve e a manifestar-se na rua, lembrou que muitos deles têm salários baixos, com 20 e 30 anos de trabalho e que auferem o salário mínimo nacional.
Considerou por isso que o aumento geral dos salários é uma medida «imprescindível para combater a pobreza que grassa entre os trabalhadores».
Mas a luta foi e é também pela dignificação das carreiras e pela consideração de todo o tempo de serviço para efeitos de progressão e promoção, pela revogação do SIADAP, pela correcção da tabela remuneratória, realçou a deputada do PCP, criticando o Governo por persistir em não dar resposta a estas reivindicações e não manifestar disponibilidade para negociar com os sindicatos.
Excepção não pode virar regra
Levantada no debate foi também a questão do trabalho por turnos e nocturno. São cada vez mais os trabalhadores a laborar neste regime «profundamente desgastante e penoso», declarou João Dias, registando que o mesmo mais do que duplicou em pouco mais de dez anos, abrangendo quase um milhão de trabalhadores, sujeitos a «horários desregulados e a ritmos intensos».
«É preciso olhar para estes trabalhadores», apelou o deputado comunista, lembrando que sofrem um «desgaste físico e emocional» e, inclusivamente, perdem a sua «vida familiar», na medida em que «não conseguem acompanhar os seus filhos», acabando estes também penalizados.
O trabalho por turnos e nocturno tem de ser, pois, uma «excepção na lei», «uma excepção na prática», sustentou. Isto é, tem de ter um carácter de «excepcionalidade» e os trabalhadores por ele abrangidos «têm de ser compensados». Preocupações que não suscitaram nenhuma reacção da parte da titular da pasta do Trabalho
Peças descartáveis
A ministra do Trabalho reconheceu a necessidade de encontrar mecanismos para responder à desprotecção social dos trabalhadores das plataformas digitais, afirmando que o Governo pondera «criar uma presunção de laboralidade», para que «tenham um contrato de trabalho como qualquer trabalhador».
O futuro dirá do valor das palavras de Ana Mendes Godinho, proferidas depois de ouvir o testemunho, levado ao debate pelo deputado comunista Bruno Dias, de um estudante e estafeta que, no recente Congresso da JCP, falou da sua experiência, do que é «trabalhar 10, 12, ou mais horas por dia, seis ou sete dias por semana para fazer o sustento», em que a escolha do trabalhador é entre «sobreviver ou não sobreviver», e da ausência de qualquer amparo ou protecção quando se tem o azar de ter um acidente ou ficar doente.
Uma realidade que é a de milhares de trabalhadores deste País, «motoristas de TVDE, estafetas nas entregas, tratados como se fossem a peça mais barata do carro, ou da mota ou da bicicleta», denunciou Bruno Dias.
Vidas do avesso
No ano passado foram cerca de 8000 os trabalhadores atingidos por despedimentos colectivos. Nos últimos quatro meses quase 1800 viram-se já também na mesma situação, em mais de 150 processos de despedimento colectivo. E é assim pela razão simples de que «hoje despedir é mais fácil e barato», realçou a deputada Diana Ferreira, que listou um conjunto de empresas onde ocorreram despedimentos no último ano, deixando um rasto de postos de trabalho destruídos e de «vidas do avesso para os trabalhadores». Extenso rol onde constam nomes como Preh, Eurest, Faurecia, Global Media, Cofina, Lauak, Sousacaamp, Spitfire, Hutchinson, Fico-cables, Efacec, Superbock, Ryanair, Visteon, e a que há que somar o lote de todas aquelas onde paira a incerteza sobre o futuro dos postos de trabalho, como a Coelima ou a Statusvoga, ou, como a Refinaria do Porto, onde foi já ditada a sentença de perda do posto de trabalho e do salário para 1500 trabalhadores.
Futuros incertos
Dos problemas dos jovens trabalhadores, os mais recrutados em trabalho temporário e outsorcing, os mais sujeitos a todas as formas de precariedade, falou a deputada Alma Rivera. Para destacar que apesar de serem na sua maioria qualificados e mesmo com o ensino superior, na maioria das vezes não passam ao quadro, não podem perspectivar a vida a médio e longo prazo, não conseguem construir uma carreira, com todas as consequências que daí decorrem. Lembrou ainda que são os jovens os mais procurados para estágios profissionais, que não dão nem um contrato de trabalho nem estabilidade, apesar de servirem para preencher necessidades e tarefas permanentes.
Daí a crítica severa que fez ao Governo por ter introduzido alterações ao Código do Trabalho que duplicam o período experimental para seis meses, por ter generalizado (com o apoio do PSD) os contratos de muito curta duração.
«Está a ser ultimado o estudo sobre call centers», para «daí retirar algumas conclusões», respondeu, lacónica, a ministra do Trabalho, pouco mais adiantando do que repetir que está disponível para reforçar os mecanismos de combate à precariedade.