Slot machines do Património

Anabela Fino

O Dia Internacional dos Museus, que se assinala a 18 de Maio, ficará este ano marcado por uma inovação: o lançamento da «raspadinha do Património».

Segundo a ministra da Cultura, Graça Fonseca, a Lotaria do Património Cultural visa angariar verbas para reforçar o Fundo de Salvaguarda do Património Cultural, ajudando desta forma a responder a «necessidades de intervenção de salvaguarda e investimento». Desenvolvida em parceria com a Santa Casa da Misericórdia, a nova lotaria instantânea custará um euro e deve render ao Estado cinco milhões de euros. Pretende-se, diz a ministra, que «cada cidadão se sinta parte da missão nacional de preservar o património», e que 2021 seja o ano de nos «envolvermos todos nesta missão nacional».

Bem prega frei Tomás....

A necessidade de preservar o património não pode fazer esquecer que estamos perante uma situação em que o Estado, para cumprir as suas obrigações, pretende financiar-se através duma espécie de slot machines de papel, o que é tanto mais grave quando se sabe que a relação dos portugueses com as ‘raspadinhas’ está perigosamente perto de se poder classificar de sério vício.

Um estudo levado a cabo por investigadores da Escola de Medicina da Universidade do Minho e publicado recentemente na revista internacional The Lancet Psychiatry mostra que, em 2018, os portugueses gastaram quase 1,6 mil milhões de euros em ‘raspadinhas’, numa média de 4,4 milhões de euros por dia. Por outro lado, dados de 2020 revelam que Portugal é o país da Europa onde mais se gasta nesse jogo, per capita, sendo esse valor mais do dobro da média europeia.

Se a isto se acrescentar que, de acordo com números da própria Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 80% das pessoas que mais jogam na ‘raspadinha’ são de classe média baixa e classe baixa, forçoso se torna concluir que o «alvo» preferencial da Lotaria do Património não são os habituais consumidores de cultura, não são os mais ricos, mas sim as pessoas de mais baixos rendimentos, os mais pobres.

Financiar a cultura através de mais um jogo de fácil acesso e recompensa imediata, logo mais suceptível de criar dependência, de viciar, pode ter a benção do Estado e da Santa Casa, mas nem por isso deixa de ser imoral.




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