Código QR

Anabela Fino

A secretária de Estado Ana Zacarias afirmou esta terça-feira em Bruxelas que Portugal «tudo fará» para que o certificado sanitário digital relativo à COVID-19 esteja concluído até Junho.

Para os mais distraídos, refira-se que estamos a falar de um comprovativo de vacinação, testagem negativa ou recuperação da doença, um documento bilingue (na língua nacional do cidadão e em inglês) com código QR, destinado a permitir a livre circulação no espaço europeu.

O código QR (Quick Response Code/ Código de Resposta Rápida) é um código de barras bidimensional que permite partilhar dados rapidamente e que é facilmente lido por dispositivos electrónicos.

A ideia, avançada no início do ano pelo primeiro-ministro grego, Kyriákos Mitsotákis, apoiada depois por António Costa e apadrinhada pela Comissão Europeia (CE) em 17 de Março, é dispor de um documento uniforme e válido em toda a UE, uma espécie de salvo-conduto ou livre-trânsito.

Esta nova modalidade de cartão de embarque estará disponível tanto em versão digital como em papel e, para além do código QR com a informação essencial, terá ainda um selo de garantia para atestar a sua autenticidade.

Sugere a CE que a emissão do documento, da responsabilidade dos estados-membros, seja feita por entidades de saúde, hospitais ou laboratórios, e recomenda que seja respeitada a protecção de dados dos cidadãos.

Tudo isto é muito bonito, e mais ainda se se tiver em conta que a Comissão «garante» que o certificado não poderá ser exigido «como pré-condição para o exercício da liberdade de movimentos», e que a ausência desse documento não pode impedir a utilização de qualquer serviço de transporte de passageiros transfronteiriço.

No entanto... Para além de estar longe de ser assegurada a garantia de privacidade dos dados contantes no código QR – como ter a certeza de que entidades menos escrupulosas não possam vir a ter acesso a eles e a usá-los em seu benefício? –, a Comissão também não parece interessada em explicar como concilia a existência de um certificado sanitário com o facto de não depender dos cidadãos estarem ou não estarem vacinados, e ninguém garantir que até Junho haja vacinas para todos, eventualidade cada vez mais efémera dado os sucessivos percalços no abastecimento. O que deixa como «alternativa» a testagem, que os laboratórios agradecem, à custa de cada um.

Como se isso não bastasse, há ainda a contradição insanável entre a vacinação dita voluntária e a inegável pressão para apresentar o certificado verde digital, outro nome para o salvo-conduto, para viajar livremente.

Encapotado, como convém, eis mais um passo para o triunfo da era do voluntariamente obrigados, da liberdade de escolha condicionada às decisões de Bruxelas.



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