O Alentejo tem futuro e o futuro tem Partido

CONFERÊNCIA «É possível um Alentejo mais próspero, mais desenvolvido, onde seja bom nascer, crescer, estudar, trabalhar e viver. E porque acreditamos, propomos e lutamos pela sua concretização», concluiu Jerónimo de Sousa numa Conferência em Moura, dia 10.

As potencialidades têm de servir todos, não apenas alguns

O Secretário-geral do PCP encerrou a iniciativa realizada faz hoje uma semana, no Cine-Teatro Caridade, em Moura, na qual, ao longo de três horas e dezena e meia de intervenções, se procedeu ao escrutínio da situação sócio-económica da região que representa um terço do território nacional. Apontaram-se, por isso, soluções para inverter o declínio identificado em diversos domínios.

Jerónimo de Sousa, que antes de subir à tribuna esteve na mesa da Conferência «O Alentejo tem futuro», acompanhado pelos membros da Comissão Política Patrícia Machado e João Dias Coelho – a quem coube a apresentação da sessão e a comunicação de abertura, respectivamente –, começou, aliás, a sua intervenção notando que o território não é apenas vasto como possui riquezas e potencialidades imensas: «uma das maiores superfícies agrícolas úteis, um subsolo rico em minerais e pedras ornamentais, o maior porto de águas profundas em Sines e o maior reservatório artificial de água da Europa – o Alqueva –, importantes e reconhecidos centros de saber, um rico e extraordinário património cultural material e imaterial».

A respeito da terra, o dirigente comunista atribui às «opções da política de direita», aos «ditames da União Europeia e das suas potências», o facto de aquela não estar a «cumprir a sua função social», sendo «alvo de uma acção de concentração capitalista da propriedade fundiária, com a exploração de culturas intensivas e superintensivas».

As mesmas opções e submissão, de resto, são responsáveis pela exploração das jazidas minerais pelas multinacionais sem criar «uma fileira produtiva nacional de bens e equipamentos» para a sua transformação, por não tirarmos máximo partido do Porto de Sines e das pescas, por deixarem para trás o que o Alentejo tem de «mais rico e promissor: as pessoas».

«Fruto das opções de tais governos e de tal política, ao longo dos anos o País foi adornando para o Litoral», acrescentou o Secretário-geral do PCP, para quem esta é «uma realidade que nem a exploração em estufa de fruta e flores no perímetro de rega do Mira, recorrendo sobretudo a mão-de-obra imigrante, precarizada, altamente explorada e alvo das redes de tráfico humano, altera».

Não é fatalismo

Lembrando que, no actual contexto de ofensiva contra os direitos e rendimentos de quem trabalha – levada a cabo, à boleia da pandemia, pelo grande patronato e as forças mais reaccionárias –, a situação económica e social se agravou sobejamente, Jerónimo de Sousa recusou, contudo, fatalismos.

O Alentejo e as suas gentes têm «direito a viver com dignidade e condições de vida e de trabalho», numa terra «cheia de potencialidades que, se colocadas ao serviço do povo e da pátria e não de alguns poucos, poderia dar um inestimável contributo para o desenvolvimento e o progresso do País», insistiu.

Tecendo fortes críticas à «designada “Estratégia Regional – Alentejo 2030”», o líder comunista passou depois à identificação daquilo que faz falta.

Inadiáveis soluções

«Um poder regional com autonomia política, administrativa e financeira capaz de, em articulação com os diversos agentes económicos, culturais e institucionais, como o Poder Local Democrático, construir soluções que correspondam não aos interesses do poder económico dominante mas sim aos interesses e necessidades da região e do País»; «a elaboração de um Plano Estratégico de Desenvolvimento para o Alentejo, que deve integrar um Plano de Apoio à Base Económica e um Programa de Infraestruturas Públicas, bem como a revisão do Programa Regional de Ordenamento do Território, partindo da realidade e necessidades concretas e não de imposições vindas de cima», e, «contratualizando com os municípios, desenvolvendo acções integradas de base territorial, com mais recursos e autonomia, promover um programa específico para as micro, pequenas e médias empresas, apoiar a cultura».

«É urgente, como aqui se evidenciou», prosseguiu Jerónimo de Sousa, «a criação de uma rede de infraestruturas hidráulicas, o cumprimento do Plano Rodoviário Nacional 2000 e uma rede de transportes públicos, com a criação de um operador público, tal como é necessário, passando das palavras aos actos, electrificar e reactivar linhas ferroviárias»; assim como é necessário criar «uma rede de infraestruturas digitais e que se avance potenciando as capacidades naturais da região com uma rede de gás e a produção descentralizada de energia».

A potenciação do Aeroporto de Beja «enquanto infraestrutura integrada no sistema aeroportuário nacional, capaz de assegurar, se articulada com o modo de transporte ferroviário de velocidade alta e o Porto de Sines, um interface de ligação de pessoas e mercadorias a Lisboa, ao Algarve, à Península Ibérica e ao resto da Europa», também não foi esquecida, tendo o Secretário-geral do PCP realçado, depois, como igualmente urgente dar «resposta, no imediato, aos problemas e dificuldades concretas com que se debatem os alentejanos».

Desde logo valorizando o trabalho e os trabalhadores, mas também promovendo e reforçando a Saúde e a Escola públicas, investindo na cultura e lazer», disse Jerónimo de Sousa, que concluiu reclamando, ainda, o desenvolvimento de políticas de integração dos trabalhadores imigrantes» e uma Estratégica Regional de Habitação com um forte e determinante investimento do Estado.

 

Ligação à realidade para intervir

Apoiar a base económica, reforçar os serviços públicos, criar emprego e fixar a população foram motes da Conferência «O Alentejo tem futuro», abordados sob diversos ângulos pelos intervenientes, os quais, para além de identificarem os problemas e constrangimentos, apontaram caminhos e soluções, em boa parte sintetizados nos eixos fundamentais do Manifesto a publicar (ver caixa), e por Jerónimo de Sousa na intervenção de encerramento.

Logo na abertura, João Dias Coelho, da Comissão Política, realçou que, diferentemente do Partido, que tem promovido inúmeras iniciativas de escrutínio e proposta, muito falam em quebra demográfica mas ocultam que esta não pode ser desligada das políticas de direita; de agricultura, mas prosseguem o estímulo às culturas intensivas e superintensivas, com consequências para a saúde das populações, ecossistemas, ao nível da concentração da propriedade fundiária e da exploração desumana do trabalho; falam de coesão territorial, mas ocultam que boa parte dos investimentos concretizados não só não correspondem às necessidades do Alentejo e dos alentejanos, como são capilarmente canalizados para servir os interesses dos grandes grupos económicos.

«Não escamoteamos a importância estratégica desses investimentos, muitos deles reivindicações antigas dos trabalhadores e do PCP», deixou claro João Dias Coelho. Todavia, «os milhões da União Europeia não podem ser arma de arremesso contra os que se insurgiram contra o simulacro de descentralização, consubstanciado na “eleição” da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional, nem beneficiar uns poucos com o que é de muitos», avisou, concluindo que «para que o futuro do Alentejo seja posto ao serviço do povo e das gerações futuras, é preciso lutar agora!».

De resto, a maioria das comunicações que se seguiram centraram baterias na necessidade de proceder a investimentos, subjacente a uma visão estratégica coerente e profícua, para a região e para quem nela vive e trabalha, e na ausência dessa perspectiva e instrumentos.

Jorge Pinto notou a incoerência e desarticulação dos instrumentos sectoriais que balizam os investimentos e lamentou que as verbas aplicadas não tenham conseguido debelar as desigualdades sociais, económicas e territoriais, nem promover a coesão. No mesmo sentido, Pedro Tojinha reforçou a ideia de que os investimentos sejam realizados de acordo com a necessidades, e não ao sabor dos ditames da UE e dos interesses do capital, e acusou os vários governos de nunca terem procedido à avaliação dos resultados, enquanto que José Caldeira e José Figueira, à sua vez, lamentaram que o ordenamento do território tenha ficado à margem do planeamento, e que, antes como agora, os recursos minerais do subsolo continuem a ser depredados e a adaptação às alterações climáticas esteja a ser ignorada.

Rui Salgado exigiu na Conferência a articulação das instituições de Ensino Superior da região, a aposta num serviço público de ciência e tecnologia ligado à estrutura e potencialidades existentes e a estabilidade dos investigadores que nelas trabalham.

Gente de trabalho e resistência

Num outro plano, Fernando Carmosino abordou o sector do turismo, lembrando as enormes potencialidades do Alentejo, mas, igualmente, que os bons proveitos dos últimos anos serão difíceis de manter sem a protecção dos pequenos e médios operadores, afastados do grosso dos apoios, que vão para os grandes negócios. Situação semelhante ocorre na agricultura, denunciou Joaquim Manuel, que salientando tratar-se de um sector-chave na ocupação, protecção e defesa do território, na soberania e qualidade alimentar, na criação de emprego, na preservação da biodiversidade, criticou a crescente concentração da propriedade da terra que está a conduzir o Alentejo para o desastre, reivindicando medidas concretas de promoção da agricultura familiar.

Lúcia Cardoso, por sua vez, atribuiu à política de direita a fragilização dos direitos constitucionalmente consagrados e a imposição da lógica da privatização nas mais diversas esferas da vida. Dando vários exemplos, reclamou a inversão de rumo e investimentos, que detalhou, não deixando também de clarificar que sendo o Alentejo território de tradição revolucionária, a natureza do seu povo é lutar.

De luta falou igualmente Diogo Jule, para quem a situação dos trabalhadores alentejanos não é diferente da dos demais. Pese embora a exploração seja cada vez mais complexa e desumana, com particular gravidade nas explorações onde trabalham imigrantes em regime de semi-escravatura, informou no entanto que cada vez mais jovens, mas não só, começam a acreditar e a lutar por uma vida melhor, e que muitos dos que atravessam o mundo atrás de uma côdea de pão, apesar do medo e da coação, também o começam a fazer.

Já quase a terminar, Carlos Pinto de Sá deu a conhecer o projecto de candidatura de Évora a Capital Europeia da Cultura sublinhando ser uma proposta para toda a região e para estimular a manutenção e desenvolvimento de artistas e criadores em diálogo com os agentes económicos e a sociedade, e Rui Raposo chamou a atenção para o facto de as autarquias geridas pela CDU terem estado e não raramente continuarem a estar sozinhas nas reivindicações, incluindo a da criação da região administrativa do Alentejo.

Aliás, o comportamento e exemplares intervenção e proposta do PCP foram ainda notados pelo deputado João Dias, que dando relevo à diferença, na qualidade e quantidade, da actuação dos dois eleitos do Partido na Assembleia da República pelos distritos de Évora e Beja face aos seis eleitos do PS, concluiu que se é verdade que o Alentejo tem futuro, o futuro tem Partido.

 

Manifesto de luta

Antes de Jerónimo de Sousa encerrar a Conferência «O Alentejo tem futuro», coube a José Maria Pós-de-Mina proferir a última das 13 intervenções proferidas durante cerca de três horas. Em jeito de síntese, o membro do Comité Central do PCP informou que será editado e distribuído aos alentejanos um manifesto para vincar que «o estado da região nada tem a ver com a forma de ser e de estar dos alentejanos», que «é possível e urgente uma política alternativa que dê a iniciativa e mobilize o empenho do povo, aproveite as potencialidades e os recursos existentes», os «quais devem ser colocados ao serviço do desenvolvimento e do progresso».

Assim, o documento, onde constam as principais linhas e reivindicações trazidas à Conferência, chamará à atenção para aspectos como:

É necessário planear e programar, ao nível do desenvolvimento de infra-estrutras, incluindo as estratégicas, do apoio à base económica, da revisão do Plano Regional de Ordenamento do Território, das respostas à emergência social, da promoção da Saúde e dos serviços públicos, do investimento em políticas públicas de cultura e lazer, da promoção da integração dos trabalhadores emigrantes;

É urgente criar e desenvolver uma base económica sustentável, potenciando os investimentos estruturantes, o sector agrícola e agro-alimentar e a transformação dos produtos, promovendo os recursos marítimos e aproveitando os recursos mineiros, apoiando os sectores emergentes e o comércio de proximidade, criar um sector social público, valorizar as actividades relacionadas com o conhecimento, a ciência e a investigação;

Identificar e concretizar os principais projectos para a região. Na área da Saúde, Segurança e Protecção civil, Habitação, Transportes, Educação, redes digital de gás e eléctrica, no ambiente e na cultura, património e identidade.

Colocar os diversos instrumentos de investimento, bem como a captação de fundos e financiamento comunitário, ao serviço das necessidades e da estratégia própria do Alentejo, e não o contrário;

Concretizar uma gestão descentralizada, participada, democrática e eficaz, dando relevo ao papel dos municípios, às micro, pequenas e médias empresas e à agricultura familiar, instituindo a região administrativa do Alentejo e resolvendo o declínio demográfico, o despovoamento, a pobreza crescente e a integração das populações migrantes.




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