Desnudados
A voragem mediática e mediatizável tem destas coisas: pela espuma do dia, ou por via deste ou daquele episódio sensacionalista, esvai-se o essencial. O exibicionismo que Marcelo Rebelo de Sousa quis patentear no acto de vacinação sendo o que é, só foi em termos de dimensão pública o que a comunicação social quis que fosse. Donde as múltiplas criticas com que o facto foi recebido em inúmeros artigos de opinião são pouco mais do que exercícios autocríticos e refúgio para fugir ao que de facto interessa.
Em matéria de saúde, mais preocupante do que a exibição dos peitorais do Presidente da República são as suas afirmações de incentivo aos projectos que os grupos monopolistas da saúde têm em marcha para liquidar o Serviço Nacional de Saúde. Não surpreenderá a liderança reaccionária da Ordem dos Médicos e do seu bastonário no processo de transformação da doença num negócio privado à custa dos direitos dos portugueses, procurando inverter o lugar supletivo que o sector privado e social ocupam na saúde.
Depois da deserção verificada dos grupos monopolistas da saúde na fase inicial da epidemia, mostrando que aquilo com que os portugueses podem contar para defender o direito à saúde só pode ser assegurado por um SNS forte e preparado, estes grupos e os seus tutores parecem ter visto com a actual fase da epidemia uma oportunidade para prosseguir o saque dos recursos públicos e ampliar o seu império. Mas o que não é aceitável é que o Presidente da República, a quem cabe zelar pelo cumprimento da Constituição e dos direitos nela consagrados, se permita vir juntar a sua voz ao coro de abutres, que invocando falsamente preocupações com a saúde, almejam subverter o SNS.
Mais do que episódios pitorescos o que interessa denunciar neste jogo do despe e veste é que em matéria de projectos reaccionátios, por mais que o disfarcem, o rei vai nu.