Cinema cool
No domingo, a Plataforma do Cinema, constituída por várias entidades do sector (realizadores, produtores, festivais, sindicatos) denunciou em carta aberta um novo episódio da saga: o secretário de estado atribuiu a uma empresa de consultadoria privada inglesa a elaboração do próximo plano estratégico plurianual para o sector, e marcou uma reunião para apresentar o resultado do tal estudo. Chegados à reunião, as entidades do sector do cinema presentes na reunião foram confrontados com uma reunião em inglês, sem tradução, tendo acabado por abandonar a sessão, levando à sua suspensão.
Na carta aberta, os signatários mostram de quantas maneiras está este episódio errado: atribuir a uma empresa estrangeira a elaboração do plano é passar «um atestado de menoridade política» ao sector e ao próprio governo; fazê-lo no contexto de uma discussão na Assembleia da República de alterações à Lei do Cinema cuja concepção é a de reduzir os apoios públicos ao cinema nacional e oferecer umas borlas às plataformas digitais, é revelador. Terminam exigindo a demissão do secretário de Estado, Nuno Artur Silva, e a suspensão da votação da proposta de lei na Assembleia da República (proposta a que o PCP deu corpo logo no domingo).
O episódio da consultora privada inglesa não é a questão central. Mas é reveladora de uma concepção política que desvaloriza a produção artística nacional em detrimento do que é cool lá fora, do que é produzido e distribuído por grandes multinacionais, do que formata o gosto do público e condiciona a liberdade artística. Que não concebe o cinema como arte, espaço de questionamento, emancipação, experimentação, mas apenas e só como entretenimento comercial e negócio de milhões. E tem muita razão quem combate essa concepção.