Precariedade e sobre-exploração não são sinónimos de progresso

DIREITOS A CGTP-IN promoveu no dia 16, em Lisboa, um debate sobre automação e teletrabalho, que avaliou as potencialidades da evolução tecnológica para os trabalhadores e as ameaças aos seus direitos.

A tecnologia resulta do trabalho e deve servir os trabalhadores

O acelerado desenvolvimento tecnológico é uma das marcas do nosso tempo, com incidência em praticamente todas as áreas da vida social, e desde logo no trabalho. Se as suas potencialidades para assegurar o desenvolvimento económico e o progresso e justiça social são por demais evidentes, em grande parte dos casos (a maioria?) a prática não permite tanto optimismo. Antes pelo contrário.

Foi precisamente sobre esta realidade, que tantos se esforçam por ocultar, que incidiu o debate promovido pela Intersindical. O título escolhido, aliás, reflecte-o: «Automação e Teletrabalho! Tempos e ritmos da ofensiva! Trabalho com direitos!». Também o painel de convidados e os temas por si abordados dão conta das várias formas de observar esta tão relevante questão colocada aos trabalhadores.

Na mesa da sessão, para intervenções de fundo, estiveram o professor e investigador José João Abrantes, sobre o teletrabalho e a Constituição; o médico psiquiatra José Manuel Jara, acerca da saúde mental dos trabalhadores em situação de teletrabalho; o advogado Joaquim Dionísio sobre quem ganha e quem perde com a automação; e o professor universitário Rogério Reis, que reflectiu sobre as contradições que possam emergir nas relações laborais com a digitalização e automação do processo produtivo.

Vários dirigentes e activistas sindicais deram os seus (ricos e particularmente vivos) contributos nos espaços abertos ao debate e a Secretária-geral da CGTP-IN, Isabel Camarinha, encerrou os trabalhos.

Entrave ao progresso
A posição da CGTP-IN sobre o desenvolvimento tecnológico é clara e a Secretária-geral reafirmou-a no início da sua intervenção: «a tecnologia, em si fruto do trabalho, deve ser colocada ao serviço dos trabalhadores e das suas condições de vida e de trabalho, ao serviço do desenvolvimento soberano do País, dando um contributo para a promoção da coesão social e territorial.»

Isabel Camarinha foi ainda mais longe, ao salientar que à maior capacidade de produção de um mesmo bem em menos tempo e com menores custos deveria corresponder um claro benefício para os trabalhadores: redução de horário, aumento de salários, menos recurso ao trabalho por turnos e a tarefas perigosas e penosas, reforço da formação e qualificações, melhores condições de vida e mais tempo para o lazer, a cultura e a família.

Bem diferente é o que habitualmente sucede, com a introdução de novas tecnologias a servirem apenas para o aumento da exploração e a intensificação dos ritmos de trabalho e, assim, para o incremento do lucro. Se a tecnologia não serve, como devia, para fazer avançar a sociedade é porque os avanços científicos e técnicos, por si só, não alteram aquele que é o elemento determinante: as relações de produção.

Neste momento, garante a Secretária-geral da Intersindical, «o desenvolvimento das forças produtivas, com a introdução de tecnologias, combinada com as capacidades da força de trabalho, atingiu um nível que, ao invés de potenciar o crescimento, constitui-se hoje como um entrave ao progresso». Com a tecnologia usada contra os trabalhadores e seus direitos, os sindicatos e a luta assumem um papel fundamental, acrescentou.

Teletrabalho, individualização e desprotecção

«Desengane-se quem considera que o teletrabalho vem resolver problemas de conciliação entre o trabalho, a vida pessoal e a família. Ao contrário, o teletrabalho vem agravar e instaurar a “confusão entre trabalho, vida pessoal, família e privacidade do trabalhador”», afirmou Isabel Camarinha, acrescentando que o que se ganha em tempo com as deslocações se perde em «privacidade, em independência e em liberdade».

Para além das consequências negativas que pode ter ao nível da saúde mental dos trabalhadores, questão suscitada na intervenção de José Manuel Jara, o teletrabalho significa também o «isolamento, a individualização, a incapacidade para articular o seu trabalho com o dos outros trabalhadores, a maior sujeição aos esquemas de manipulação das entidades patronais, o desrespeito pelos limites e organização do tempo de trabalho, pelas normas de saúde e segurança no trabalho». E, também, uma «muito maior dificuldade em se sindicalizar, participar na sua organização de classe, mobilizar-se para exigir os seus direitos e melhores condições de vida e de trabalho, fazer greve ou participar em acções de luta», realçou a Secretária-geral da CGTP-IN.

A explicar o entusiasmo patronal com o teletrabalho está ainda a poupança em imóveis, equipamentos, segurança e saúde, energia e comunicações. «Tudo colocado sobre o trabalhador, reduzindo a sua já por regra baixa remuneração», concluiu.

 



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