A opção pelo capital em detrimento da resposta aos problemas dita voto contra do PCP ao Orçamento Suplementar
OPÇÕES A AR aprovou sexta-feira passada, 3, em votação final global, a proposta de Orçamento Suplementar (OS) apresentada pelo Governo. Só o PS o votou favoravelmente, optando PSD, BE e PAN pela abstenção. O PCP votou contra.
O Orçamento nega aos trabalhadores o que dá aos grupos económicos
As razões para o sentido de voto da bancada comunista são facilmente identificáveis: o documento é frágil na resposta que dá às necessidades e problemas dos trabalhadores e do povo, tem mãos largas no apoio aos grandes interesses económicos. Mais, está longe de adoptar as medidas de que o País carece para enfrentar a grave situação económica que tem pela frente.
A esta conclusão chegou o PCP, no desfecho deste processo legislativo do OS, depois de se abster no seu arranque em votação na generalidade e de ter batalhado na fase de especialidade para o alterar. Pelo meio, como salientou João Oliveira em declaração proferida na véspera e na qual anunciou a posição final, o PCP denunciou os «limites e insuficiências» do OS, apresentou mais de 50 propostas para os ultrapassar, «desmascarou os objectivos das forças reaccionárias e a demagogia que os acompanha, bateu-se até ao fim para que não se desperdiçasse nenhuma possibilidade de concretizar avanços».
E a razão primeira para o voto do PCP, num quadro em que ficou patente a convergência de posicionamento entre PS e PSD, prende-se com a sua absoluta discordância em relação ao facto de o Governo persistir em medidas que representam uma perda significativa no rendimento dos trabalhadores.
«O PCP não aprova um Orçamento que consagra o prolongamento do corte de salários a centenas de milhares de trabalhadores, que podem chegar ao fim do ano com a perda acumulada de dois ou três salários, ao mesmo tempo que se canalizam milhões e milhões para o grande capital», afirmou o líder parlamentar comunista, lembrando, como a vida já provou, que «este é um caminho errado», por manter uma «situação insuportável para quem sofre esses cortes», além de significar «retracção do mercado interno e constrangimento na dinamização económica de que o País precisa».
Inclinação para o capital
Estando longe de ser o único, este factor é suficientemente elucidativo sobre a natureza de um Orçamento que «é um plano inclinado para o lado do grande capital», como sublinhou em declaração de voto em nome da sua bancada o deputado comunista Duarte Alves. E assim sendo, constitui-se em factor adicional que agrava ainda mais a desigual e injusta repartição do rendimento nacional entre capital e trabalho.
«O que se nega aos trabalhadores em salários e na defesa dos seus postos de trabalho, o que falta em resposta aos micro e pequenos empresários para assegurar a sua sobrevivência, o que falta em protecção social para acudir à situação dramática que centenas de milhares de portugueses enfrentam, tudo o que se nega, falta ou é mitigado na resposta aos problemas dos trabalhadores sobra escandalosamente na parcela de apoio aos grupos económicos», afirmara aos jornalistas no dia anterior João Oliveira.
Afirmar a política alternativa
Desequilíbrio esse entre os benefícios e privilégios ao capital e a falta de resposta aos problemas dos trabalhadores e do povo que foi, infelizmente, o traço distintivo que se manteve na votação na especialidade e no decurso da qual se observou a referida convergência entre PS e PSD não só na aprovação da proposta governamental como na simultânea rejeição da larga maioria das propostas apresentadas pelo PCP.
Em conclusão, o que o debate e votação deste Orçamento uma vez mais evidencia é que por via das opções que estiveram na sua génese – favorecimento dos interesses do grande capital e submissão às imposições da União Europeia e do euro – não há saída para os problemas estruturais do País, nem tão pouco para os problemas imediatos que atingem a vida das classes trabalhadoras. A comprovar, de resto, quão actual, urgente e necessária é a política alternativa, patriótica e de esquerda que o PCP propõe ao povo português e pela qual continua a batalhar.
E por isso foi reafirmada por João Oliveira a determinação do PCP em prosseguir a sua acção em defesa da «valorização do trabalho e dos trabalhadores, dos seus salários e direitos, pela defesa da produção nacional e dos sectores produtivos, pelo controlo público dos sectores estratégicos, pela valorização dos serviços públicos, designadamente do SNS, por um caminho soberano de desenvolvimento nacional».
Contraste chocante
Da avaliação que o PCP faz ao Orçamento Suplementar um aspecto ressalta com particular nitidez: a consideração de que nele são manifestamente débeis, quando não mesmo inexistentes, as orientações e medidas capazes de «enfrentar a grave situação económica que o País atravessa, o crescimento significativo do desemprego, a necessidade de redinamizar a economia e a produção nacional».
Foi o que disse João Oliveira, apontando, por exemplo, a inexistência de soluções para garantir os salários a 100 por cento ou para garantir o emprego e os direitos com a proibição dos despedimentos.
Ausência de resposta que é também uma realidade no que se refere ao investimento público e à necessidade de o dinamizar, ou quanto à garantia de apoios que viabilizem o conjunto de micro e pequenas empresas que hoje estão confrontadas com a «redução ou mesmo a cessação forçada da sua actividade».
E o mesmo se passa relativamente aos apoios sociais, designadamente no desemprego, que deveriam ser alargados e não são, tal como deveriam ser assegurados e não são os meios de subsistência a todos os que ficaram sem esses meios.
Igual quadro se aplica ao Serviço Nacional de Saúde e à necessidade que há de o dotar da «capacitação indispensável para responder às necessidades imediatas no plano sanitário e para reforçar o nível de resposta exigível à garantia dos cuidados de saúde em geral».
São todas estas insuficiências e lacunas no Orçamento que se tornam tanto mais chocantes – e foi para esse contraste que João Oliveira chamou a atenção – quando, simultaneamente, nele se observa que são aprofundados «privilégios e benefícios ao capital e aos grupos económicos», como é o caso do prolongamento do lay-off associado agora a novas e significativas transferências de dinheiros públicos, do alargamento do prazo de reporte dos prejuízos fiscais, de novos benefícios em sede de IRC e TSU, ou da fixação de incentivos à extinção de MPME e à concentração de capital.