Anexação

Jorge Cadima

O silêncio do Governo Português e do seu cada vez mais inqualificável MNE envergonha Portugal

O Programa do novo governo de Israel prevê a anexação formal de quase um terço da Cisjordânia, território palestiniano que, segundo inúmeras resoluções internacionais, deverá integrar o Estado a que o povo palestiniano justamente aspira. O governo de Netanyahu pretende concretizar a anexação já a partir deste mês. Seria uma machadada – que Israel e Trump-Pompeo desejam definitiva – na viabilidade dum Estado Palestiniano. Os territórios a anexar retalham a Cisjordânia em pequenas ilhotas, como os velhos bantustões do apartheid na África do Sul. Incluem a bacia do Rio Jordão, que separa a Palestina da Jordânia, enclausurando a Cisjordânia e impedindo o seu acesso directo ao exterior.

A realidade da Cisjordânia nunca deixou de ser a da ocupação, nem mesmo após a criação da Autoridade Palestiniana na sequência dos Acordos de Oslo de 1993. Cerca de 60% do seu território faz parte da chamada Zona C, que Oslo previa que permanecesse sob controlo militar directo de Israel (como aconteceu) até à conclusão do processo negocial (que nunca aconteceu). Mais de 22% da Cisjordânia faz parte da Zona B, formalmente sob «controlo conjunto» de Israel (no plano militar) e da Autoridade Palestiniana (civil). Há já longos anos que não existe sequer a ficção de um ‘processo negocial’ para concretizar as promessas da chamada ‘comunidade internacional’ ao povo palestiniano.

Mas a anunciada anexação é um momento de viragem. São abertamente rasgadas décadas de promessas de resoluções internacionais e mesmo de acordos assinados por Israel e EUA que, no papel, aceitavam a perspectiva dum Estado Palestiniano nos 22% do território histórico da Palestina ocupados por Israel na guerra de Junho de 1967. Contando com o permanente apoio dos EUA, hoje governados pela dupla Trump-Pompeo – autênticos serial killers de acordos internacionais – o governo israelita aproveita a conjuntura para formalmente declarar morta a chamada solução de dois Estados (Israel e Palestina) no território histórico da Palestina. Israel nunca esteve de boa fé nos processos negociais. A construção dos ilegais colonatos israelitas e do Muro do Apartheid no interior dos territórios ocupados visou abrir caminho ao Grande Israel, objectivo de sempre do movimento sionista. Netanyahu já anunciou que a Zona C será agora uma ‘reserva’ para construção de novos colonatos, antecipando novas anexações.

Todos os Estados e forças que, ao longo de décadas de crimes, massacres e guerras de Israel (a lista é enorme, mas refiram-se Sabra e Chatila, Qana, a mártir Faixa de Gaza) sempre foram tolerantes para com o agressor, ao mesmo tempo que exigiam da vítima concessões sem fim, em nome da miragem dum Estado Palestiniano, têm que fazer hoje uma opção clara. Ou cortam de vez a sua conivência com Israel e apoiam claramente os direitos inalienáveis do povo palestiniano, ou tornam-se cúmplices duma traição histórica e perdem qualquer credibilidade para criticar as formas de resistência que o povo palestiniano vier a decidir. Nem o regresso ao torpor do estado de coisas anterior é aceitável. O silêncio do Governo Português e do seu cada vez mais inqualificável MNE envergonha Portugal.

A solidariedade com o povo da Palestina vai sair à rua, em Lisboa, já nesta segunda-feira, dia 6, às 18h30, no Martim Moniz.



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