O negócio
No momento de escrever esta crónica não sabia ainda se o governo israelita tinha concretizado a intenção – a ameaça – de anexar partes da Cisjordânia a partir de ontem, 1 de Julho. A anexação, incluindo uma centena de colonatos israelitas ilegais nos territórios palestinianos ocupados e do vale do Jordão, consta do plano de Trump para o Médio Oriente, classificado pelo próprio como «deal of the century».
Anunciado em Janeiro, o «negócio do século» viola todas as resoluções da ONU sobre o assunto e liquida a constituição de um Estado palestiniano viável.
Repudiado internamente pelas forças de esquerda israelitas e externamente pela generalidade dos países do Golfo, o negócio foi acolhido pelo Reino Unido como «proposta séria», enquanto a Alemanha prometeu «estudar» o assunto «intensivamente», tal como a União Europeia, que entretanto reafirmou o seu alegado compromisso com «uma solução negociada e viável de dois estados».
Displicentes no estudo, para não dizer reiteradamente cábulas, os países da UE deixaram correr o marfim sem chegarem a nenhuma posição conjunta. A manifesta ilegalidade do negócio, sublinhada pela ONU, não bastou, o que não deixa de ser revelador por que a questão palestiana continua por resolver desde (pelo menos) 1967 e por que Israel se sente de mãos livres para prosseguir o seu intento de extermínio do povo palestiniano. Principal parceira económica do Estado hebreu, a UE podia, com recurso a sanções, exercer pressão e influência sobre o governo israelita, mas como para isso é necessária a unanimidade dos estados membros, basta que um não esteja pelos ajustes para tudo se ficar por palavras de circunstância sem quaisquer consequências.
Haverá quem se pergunte: mas então os direitos do povo palestiniano, a democracia, os direitos humanos, o direito internacional? Não é a UE um baluarte dos mais elevados valores civilizacionais?
Sim, sim, claro, mas a unanimidade, estão a ver? Não é fácil... A não ser, evidentemente, que se trate da Venezuela. Aí é um ver se te avias e ala que se faz tarde. Mal Nicolás Maduro anunciou a expulsão da embaixadora da UE no país, horas depois de a União Europeia sancionar mais 11 membros de instituições do Estado venezuelano – que por acaso não ocuparam nem anexaram nenhum território, não prenderam nem expulsaram ninguém, não violaram o direito internacional ou as decisões da ONU –, logo o Alto Representante da UE para a Política Externa prometeu represálias. No caso desta desabusada ingerência nos assuntos internos de um país soberano não falta unanimidade.
O governo PS, mudo e quedo quanto ao deal de Trump, com o ministro Silva a fazer-se de morto, abana com as orelhas no caso da Venezuela à espera da recompensa. Uma vergonha.