Os velhos, os novos e o Covid

Vasco Cardoso

O re­gisto me­diá­tico que tem acom­pa­nhado a evo­lução da epi­demia COVID-19 está longe de cor­res­ponder a cri­té­rios de ob­jec­ti­vi­dade e rigor que a com­ple­xi­dade do pro­blema exigem. Em vez disso, as­sis­timos, à pro­moção do alar­mismo e do medo, à mul­ti­pli­cação de in­for­ma­ções muitas vezes de sen­tido con­tra­di­tório, à pro­moção de sen­ti­mentos tantas vezes pri­má­rios que de­turpam a re­a­li­dade, à ins­tru­men­ta­li­zação po­lí­tica, como aliás tem sido vi­sível na pre­sença re­gular de fi­guras como os bas­to­ná­rios da ordem dos mé­dicos e dos en­fer­meiros, pontas de lança num ataque ao SNS que nunca con­se­guiram dis­farçar.

A pro­cura in­ces­sante de bodes ex­pi­a­tó­rios, dos cul­pados pela pro­pa­gação do vírus é evi­dente. Seja no plano in­ter­na­ci­onal, veja-se o de­lírio de Trump a pro­pó­sito da China, numa vã ten­ta­tiva de es­conder a dura re­a­li­dade de um povo que, na maior po­tência do mundo, foi aban­do­nado à sua sorte. Seja no plano do­més­tico, como as ope­ra­ções de­sen­ca­de­adas em torno do 25 de Abril, do 1.º de Maio ou da Festa do Avante!. O ob­jec­tivo é sempre o mesmo, des­viar as aten­ções do es­sen­cial e cri­mi­na­lizar todos quantos se opõe à ordem ca­pi­ta­lista.

Re­corde-se como em de­ter­mi­nada fase se ve­ri­ficou toda uma cam­panha de es­tig­ma­ti­zação dos mais idosos. Nos meses de Março e Abril, qual­quer pessoa com mais de 70 anos que cir­cu­lasse na rua, corria o risco de ver co­lo­cada em causa a sua ca­pa­ci­dade de au­to­de­ter­mi­nação e de juízo pró­prio. Agora, o mesmo tipo de es­tig­ma­ti­zação, surge junto dos mais jo­vens. Porque saem à rua, porque vão à praia, porque se juntam com ou­tros, porque são jo­vens. A per­sis­tência de um ele­vado nú­mero de casos na Área Me­tro­po­li­tana de Lisboa tem in­fla­mado esta tese. Dá jeito falar da «in­cons­ci­ência» ju­venil para es­conder os reais pro­blemas de falta de con­di­ções de se­gu­rança nos lo­cais de tra­balho, de trans­portes pú­blicos so­bre­lo­tados, de ha­bi­ta­ções pre­cá­rias si­tu­adas na pe­ri­feria e que tornam mais di­fícil o com­bate ao vírus.

Os tempos são de pre­venção e da pe­da­gogia da pre­venção, mas são também de com­bate às causas fundas das de­si­gual­dades so­ciais, essas sim, ver­da­deiros vi­veiros do COVID-19.




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