A palavra vale o que vale

João Frazão

«O que estou a dizer é que essa não será a nossa pri­meira opção».

A frase, dita assim, não quer dizer que se ex­clui a opção de que se fala, seja ela qual for. Pelo con­trário, quase sempre é usada para jus­ti­ficar a sua uti­li­zação, mas pa­re­cendo que não era isso que se queria fazer.

A frase, dita por um go­ver­nante (neste caso a mi­nistra da Ad­mi­nis­tração Pú­blica) para res­ponder à per­gunta se «está a dizer que não vai haver cortes sa­la­riais?», aponta no ca­minho exac­ta­mente con­trário, com a agra­vante de a mi­nistra a ter com­ple­tado com a de­cla­ração de que «se me per­gunta: ga­rante que vai haver um au­mento de 1%? Não, não ga­ranto».

Tal de­cla­ração, assim como o con­junto da en­tre­vista que esta se­gunda-feira foi pu­bli­cada num diário eco­nó­mico, é ina­cei­tável e é bem re­ve­la­dora do que são as op­ções do Go­verno.

Desde logo é ina­cei­tável que o mesmo go­verno que ainda há poucos meses se com­pro­meteu a au­mentar os sa­lá­rios dos tra­ba­lha­dores da Ad­mi­nis­tração Pu­blica, pelo menos, ao nível da in­flação, venha agora dar o dito pelo não dito.

Ina­cei­tável também porque é uma de­cla­ração feita quase ao mesmo tempo que as mais altas in­di­vi­du­a­li­dades da nação andam a bater palmas aos novos he­róis, dos pro­fis­si­o­nais de saúde aos tra­ba­lha­dores dos re­sí­duos ur­banos. Ho­me­na­gens sim, va­lo­ri­zação das pro­fis­sões e car­reiras é que nem por isso.

Mas além do mais é um erro pelos si­nais que dá, mi­nando a con­fi­ança dos tra­ba­lha­dores, num mo­mento em que pre­ci­samos de es­ti­mular o mer­cado in­terno e ate­nuar di­nâ­micas re­ces­sivas, e pelo es­tí­mulo ao pa­tro­nato dos sec­tores pri­vados que assim têm a des­culpa per­feita para tentar impor novos re­tro­cessos.

Nós, que temos me­mória, não es­que­cemos o peso que teve no afundar da eco­nomia na­ci­onal o roubo nos sa­lá­rios e pen­sões no tempo da Troika, e ainda nos lem­bramos do tempo em que o pri­meiro-ni­nistro dizia que pa­lavra dada era pa­lavra hon­rada.




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