O Rei manda..

Gustavo Carneiro

Há um jogo infantil chamado O Rei manda, em que um dos participantes dá indicações aos restantes: quem não obedecer, ou o faça sem que a ordem tenha sido antecedida da expressão O Rei Manda..., perde.

Sabem quem adora este jogo? Os donos dos principais órgãos de comunicação social, que o jogam a toda a hora com a excelência que só a prática alcança, pois nunca falham uma ordem. A abordagem sobre a China é disto exemplo: a administração norte-americana (perdão, o Rei) manda e eles dão o seu melhor...

Ora, o Rei nunca lhes mandou conhecer a fundo o fabuloso desenvolvimento do gigante asiático desde a revolução de 1949: os milhões retirados da fome, da pobreza e do obscurantismo, o fulgurante aumento da esperança de vida, a transformação de um país atrasado e dependente numa das maiores potências da actualidade. Que importa que a China não tenha agredido nenhum outro país? Que o seu poderio militar seja muitíssimo inferior ao norte-americano e cresça mais lentamente? Que esteja cercada por bases e porta-aviões dos EUA? A República Popular da China é o alvo a abater e o rigor não é um critério. Só importa fazer o que o Rei manda.

No ano passado, durante os protestos em Hong Kong, não se preocuparam em desvendar a (assumida) ligação dos líderes aos EUA, preferindo antecipar uma brutal repressão, que nunca ocorreu. Passaram, então, a justificar as motivações políticas, financeiras, diplomáticas que levaram a que tal repressão não tivesse ocorrido, ao mesmo tempo que calavam a que efectivamente acontecia, nesses mesmos dias, no Equador do traidor Moreno, no Chile do neoliberal Piñera ou na Bolívia da golpista Añez. O Rei assim o ordenou.

A COVID-19 deu um novo alento a esta campanha, cujo tom aumenta à medida que se revela a incapacidade das principais potências capitalistas, e dos EUA em particular, em fazerem face à crise sanitária e seus efeitos económicos e sociais. Pouco ou nada dizendo sobre as razões de tal fracasso, voltam-se... para a China, com argumentos indefensáveis e até contraditórios. Que a Organização Mundial de Saúde elogie a resposta chinesa à pandemia, pouco lhes importa, pois as ordens do Rei são para levar a sério.

­Os que nunca se preocuparam em desvendar as reais motivações por detrás de guerras, ocupações e bloqueios dos EUA e da NATO (limitando-se a repetir a estafada argumentação da defesa dos direitos humanos ou da ­­guerra contra o terrorismo), estão hoje empenhados em revelar as maquiavélicas intenções da China quando abastece o mundo inteiro de materiais médicos e de protecção face à pandemia e envia para muitos países equipas especializadas.

É o que o Rei manda...



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