Nem novo, nem normal

João Frazão

De entre as expressões que, nas últimas semanas, ocuparam o «linguajar» oficial de tudo quanto é comentador encartado (em moderno seria o mainstream), e dão título a quase todos os órgãos de comunicação social – revelando que nada acontece por acaso e deixando apenas por saber onde se esconde o centro de difusão destes elementos centrais da ofensiva ideológica –, destaca-se a conhecida por «novo normal».

Reconheça-se a capacidade de síntese de quem, com duas palavras apenas, conseguiu encontrar uma definição que, popularizada até à exaustão, tudo explica e tudo justifica.

Há limitações à circulação de idosos e são impedidos os ajuntamentos? O novo normal garante que isso é necessário.

Há controlos policiais e mesmo recurso à devassa da vida privada com intromissão nos aparelhos electrónicos e telefónicos? É assim que está desenhado o novo normal.

Os trabalhadores devem aceitar a redução de direitos e olharem cada um por si, isolando-se e evitando o contacto com outros? Está tudo previsto no novo normal.

O teletrabalho é uma modernice que veio para ficar? É preciso para assegurar o novo normal.

Sucede que estas medidas que nos querem enfiar pelos olhos dentro, apresentadas com esse manto diáfano da responsabilidade, não têm nada de novo e muito menos de normal.

Isto corresponde a velhos projectos de limitação das liberdades, de controlo social da população, de promoção do individualismo, de destruição das organizações de classe, e em primeiro lugar as representativas dos trabalhadores, de agravar a exploração e de conter a luta organizada.

Não se diz aqui que vai ficar tudo na mesma. Não se defende sequer que não seja necessário proceder a alterações, tomar medidas especiais, designadamente para assegurar a defesa da saúde de todos.

Como dizia Camões, «todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades».

Não se percebe é que qualidade têm estas medidas.




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