Da metáfora das armas ao vazio da resposta

Sandra Pereira

O Con­selho Eu­ropeu do pas­sado dia 23 de Abril abordou mais uma vez a dita «res­posta» à si­tu­ação so­cial e eco­nó­mica agra­vada pelo surto de COVID-19. O que saiu dessa reu­nião foi muito pouco e mais uma vez foi pa­tente a falta de so­li­da­ri­e­dade e de acção con­creta. É agora pas­sada a bola à Co­missão para que apre­sente um «plano» sobre o qual se des­co­nhece quase tudo.

O «Fundo de Re­cu­pe­ração» será as­so­ciado ao pró­ximo Quadro Fi­nan­ceiro Plu­ri­a­nual (2021-2027), que terá de ser re­de­se­nhado. Os seus mon­tantes, con­di­ções e con­di­ci­o­na­li­dades são ainda des­co­nhe­cidos. Aquilo que se sabe até agora é que os re­cursos desse fundo serão con­se­guidos por via da emissão de dí­vida pela Co­missão Eu­ro­peia, com base em ga­ran­tias dos Es­tados-mem­bros, que terão de­pois acesso às verbas ou através de sub­ven­ções (falta ver se assim é e qual o valor das sub­ven­ções) e claro… mais em­prés­timos! Ou seja, po­de­remos estar pe­rante mais um me­ca­nismo de en­di­vi­da­mento, di­recto ou in­di­recto, para re­go­zijo das agên­cias de ra­ting e dos es­pe­cu­la­dores fi­nan­ceiros!

Para um país como Por­tugal, cujo nível de en­di­vi­da­mento é já bas­tante ele­vado, as me­didas do Eu­ro­grupo (que o Con­selho ra­ti­ficou) e mesmo o pró­prio fundo, in­sistem ambos numa re­ceita que deixa o País amar­rado a so­lu­ções que não nos servem (como por exemplo cortes nos sis­temas pú­blicos de saúde) e que podem in­clu­sive sig­ni­ficar mais di­fi­cul­dades para de­fender o povo e os tra­ba­lha­dores, as suas con­di­ções de vida, os ser­viços pú­blicos e a re­cu­pe­ração da ac­ti­vi­dade eco­nó­mica. O que os de­pu­tados do PCP no Par­la­mento Eu­ropeu têm de­fen­dido, no plano do fi­nan­ci­a­mento das ne­ces­si­dades do Es­tado, é que a ga­rantia de acesso ao fi­nan­ci­a­mento seja com­pa­tível com me­didas que travem a es­ca­lada do peso da dí­vida, de­fen­dendo a anu­lação da fracção da dí­vida pú­blica su­ple­mentar, emi­tida pelos Es­tados para fi­nan­ciar as des­pesas de­cor­rentes da cCOVID-19. Impõe-se igual­mente a ne­ces­si­dade de cri­ação de um pro­grama de re­ne­go­ci­ação das dí­vidas pú­blicas, nos seus prazos, juros e mon­tantes, per­mi­tindo re­di­rec­ci­onar re­cursos da dí­vida para as res­postas eco­nó­micas e so­ciais ne­ces­sá­rias que, neste mo­mento par­ti­cular, têm de ser dadas.

Uma outra de­cisão do Con­selho que sus­cita grandes pre­o­cu­pa­ções está re­la­ci­o­nada com a pos­si­bi­li­dade de uma re­dução do Or­ça­mento da União Eu­ro­peia (UE), con­cre­ta­mente com a di­mi­nuição de verbas da co­esão. Os de­pu­tados co­mu­nistas têm rei­te­rado que Por­tugal deve de­fender um sig­ni­fi­ca­tivo re­forço do Or­ça­mento, com ga­rantia da sua função re­dis­tri­bu­tiva e do ob­jec­tivo de uma efec­tiva co­esão eco­nó­mica e so­cial. Ig­norar esta di­mensão da co­esão, que, no nosso en­tender, terá for­ço­sa­mente de ser as­so­ciada à res­posta às con­sequên­cias da Covid-19, é in­sistir no agra­va­mento das de­si­gual­dades entre Es­tados-Mem­bros ca­vadas ao longo dos anos.

Contas feitas, as con­clu­sões do Con­selho podem vir a saldar-se na co­nhe­cida ex­pressão po­pular «dar com uma mão para tirar com a outra». Neste mo­mento e co­nhe­cidos os ins­tru­mentos, aquilo que pa­rece ser mais pro­vável é que sejam fisgas, pres­sões de ar ou ba­zucas, as armas que têm ser­vido para cons­truir a me­tá­fora bé­lica di­fi­cil­mente irão estar ao ser­viço da de­fesa dos tra­ba­lha­dores e dos povos, mas es­tarão cer­ta­mente ao ser­viço das im­po­si­ções, con­di­ci­o­na­lismos e chan­ta­gens da UE. E isso é um cla­mo­roso vazio de so­li­da­ri­e­dade.




Mais artigos de: Europa

Conselho Europeu marcado pela indefinição e adiamento

RE­CU­PERAÇÃO O Con­selho Eu­ropeu, reu­nido a 23 de Abril, anun­ciou a cri­ação de um su­posto fundo de re­cu­pe­ração, sobre o qual se des­co­nhecem mon­tantes, con­di­ções e con­di­ci­o­na­li­dades, de­nuncia o PCP.

Problemas nos direitos de trabalhadores nas instituições europeias

Numa carta dirigida ao presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, à presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e às direções-gerais competentes, os deputados no PE Sandra Pereira e João Ferreira, do PCP, denunciam que sob o pretexto do surto de Covid-19, trabalhadores das instituições europeias vêem os...

Rússia rejeita acusações dos EUA de violação do Tratado de Céu Aberto

As acusações dos Estados Unidos de que a Rússia viola o Tratado sobre o regime de Céu Aberto não são apoiadas por qualquer facto, afirmou o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguéi Lavrov. «Como no caso do Tratado INF [Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário], os norte-americanos já começaram a...

Adiado julgamento da extradição de Assange

Devido às dificuldades de circulação ligadas à quarentena imposta pela Covid-19, a justiça britânica concordou em adiar o recomeço do julgamento da extradição para os Estados Unidos do fundador da Wikileaks, Julian Assange, sessão que estava prevista para 18 de Maio. O adiamento foi decidido pela juíza Vanessa...